Certidão
de Nascimento
Guilherme Cavallari Gomes,
nascido em São Paulo, SP, Zona Norte - diz a lenda -, no dia
15 de novembro de
1962. Véio é seu avô!
Pais: Helena Cavallari e José William Facó Gomes, que saiu para
comprar cigarros quando eu tinha seis anos e nunca mais
voltou. Ninguém sabia que ele fumava. Minha mãe criou a mim
e às minhas duas irmãs mais novas sozinha, trabalhando ora
como secretária, ora como vendedora, ora como corretora de
imóveis, ora desempregada.
Sapo
Cidadão Pululante
Fui ator
de teatro profissional, radialista, humorista, atleta
semiprofissional, empresário aos 22 anos.
Mas foi antes, aos 17, que descobri uma vocação: viajar.
Fiquei até os 32 anos pulando de país em país.
Vocação
Inata: Mudar de Endereço
Quando
criança, minha família foi despejada por falta de pagamento
de aluguel mais de uma vez, estudei boa parte da vida em
escolas públicas,
mudava de colégio quase que anualmente, mudava
bastante de endereço.
Run,
Forrest
Minha
brincadeira preferida era física. Correr mais que todo mundo, pular mais alto,
nadar mais longe, brigar sozinho contra meia dúzia de
crianças mais velhas, qualquer coisa onde eu pudesse gastar
minha interminável energia.
Lembro que eu nunca caminhava, só corria.
Medo de
tomar banho?
Tenho medo de água fria e escura.
Quando
tinha seis anos, caí em um lago em Atibaia, no inverno, e fui
resgatado por um amigo da família, um senhor francês de uns
60 anos na época, careca, que usava peruca. Inclusive
descobri que ele usava peruca nessa ocasião
Causos de
moleque
Convenci
minha irmã mais nova, de uns quatro anos então, a descer a
íngreme ladeira de nossa casa, em direção a uma movimentada
avenida no fim da piramba, em seu triciclo enferrujado.
Disse a ela que precisava se segurar com firmeza e, para
garantir que não se soltasse, amarrei suas mãos ao guidão da
bike. Soltei-a ladeira abaixo e fiquei acompanhando,
excitado, o resultado.
Conforme
o triciclo pegou velocidade, ela perdeu o controle, primeiro
dos pedais, depois da bike toda, ziguezagueou e bateu contra
a sarjeta. Não se machucou, só alguns arranhões. Achei
engraçadíssimo, mas confesso que fiquei um pouco
frustrado...
Rodinhas
de apoio (traseiras) da bicicleta
Tirei as rodinhas no mesmo dia em que foram colocadas, quando tinha uns seis anos, em São Vicente, litoral
paulista, para onde minha mãe se mudou, com filhos e tudo,
na casa dos meus avós.
Aprendi rápido a andar de bicicleta.
Passageiro Kid
Adorava
andar de carro. Que criança não gosta? Mas lembro que os
adultos naquela época corriam demais,
fumavam dentro do carro com os vidros fechados, os carros eram verdadeiras “carroças”.
Pensamentos jogados de uma criança dentro do carro entre
adultos
“Por que todo mundo fuma, c.?”...
brincadeira. Pensava em
carros voadores, em super
poderes, em ser invisível...
Coisas de menino que
vê muita TV e lê muito gibi. Mas desde pequeno pensava
também que a cidade à minha volta era toda cinza, cheia de
carros, faltavam árvores, bichos, verde. Isso sempre me
incomodou, desde muito pequeno.
O Carona
Quando adulto, a doce irresponsabilidade do caronista passou
quase a ser um estilo de vida para mim.
Eu pegava
carona na vida. É sempre mais fácil essa existência
despreocupada quando somos imigrantes. Ser gringo foi uma
delícia para mim, o
resgate talvez da despreocupação que não vivi na infância.
Evolução
Aos
poucos comecei a querer
“dirigir um pouco”, ao invés de “ser dirigido”. Um grande amigo me disse uma vez, quando eu estava saindo do Brasil
pela terceira vez, rumo à Alemanha, sempre com a promessa de
nunca mais voltar:
“você já descobriu que consegue sobreviver em qualquer lugar
do mundo, não está na hora de querer um pouco mais da vida?”
Easy easy, sem problema de dicção
(nunca
tive problema de dicção, só fimose, serve?) Tenho
facilidade com línguas estrangeiras, costumo aprender rápido
e esquecer rápido depois. Não me recordo de nenhuma palavra
que tenha sido difícil aprender. Mais
difícil é “se comunicar bem”,
mas isso vale para qualquer língua e, talvez, especialmente para a
nossa língua materna...
Língua do Entendimento
Existe sim uma língua única, não expressa em palavras ou
sons. Acho que é a Língua do Entendimento.
Quando a
gente encontra pessoas com quem nos identificamos, sei lá
por que, essa língua se apresenta.
Lembro de
várias situações em que isso aconteceu comigo. Uma vez,
dormindo em uma caverna na Turquia, na região da Capadoccia, conheci um alemão que não falava outra língua que não a dele.
Eu não falava alemão na época. Nos comunicamos em turco, que
nenhum dos dois falava.
Dividimos a tal caverna, por falta de dinheiro, por excesso
de simplicidade, por vários dias.
Nos
tornamos muito amigos. Anos depois, quando decidi morar na
Alemanha fui viver na casa dele. Eu falava alemão então e
ele inglês. Nossa amizade minguou.
Para quem
está perdido o verbo é...
“Sobreviver”
Profissões e Profissões
Existem
profissões desenhadas para nos manter vivos. Existem
profissões desenhadas para nos manter íntegros. São coisas
diferentes.
Trabalhei para comer e o trabalho não importava, por isso, limpador de chaminés, quebra-pedras, salva-vidas.
Trabalho hoje em algo que me completa, como autor e editor
de livros relacionados com esportes de aventura.
Chaminés
de Boston
Sinto falta das chaminés de Boston. Sinto falta do calor das
lareiras.
Por outro lado não sinto falta do frio invernal de nenhum
país onde vivi. Vejo hoje claramente a diferença entre o
calor do fogo e calor humano, tão presente no Brasil.
Pedras do
Egito
Quando
quebrava pedras no Oriente Médio eu o fazia para sobreviver,
era um trabalho como outro qualquer, digno e duro. Aqui, se
eu vier a quebrar pedras seria para atender a alguma demanda
específica e não a uma necessidade básica.
As pedras seriam muito mais duras aqui.
Colhedor
de batata na Inglaterra. Colhedor de maçãs na Itália
Uma da melhores experiências que tive na vida foi trabalhar
com a terra e seus frutos.
Se existe
um ideal de simplicidade comum a todos, acessível a todos,
eu creio que é esse - a “praga” que caiu sobre Caim: viver
do suor do próprio rosto lavrando a terra.
Para Caim,
a terra era, no entanto, ingrata e não dava frutos.
Colher frutos é um ato divino.
Se
eu tiver outra oportunidade de trabalhar em colheitas vou
pegar sem piscar.
?Serpentes adestradas para ajudar na colheita da maçã?
Nunca
ouvi isso antes! Sei que os italianos têm africanos
amestrados trabalhando em diversas colheitas, ajudando por
um módico preço que europeu nenhum topa aceitar.
Competição, pressa para quê?
Não sou
muito ligado em competições de bicicleta. Já fui mais.
Corria em provas de Cross Country de Mountain Bike e me
diverti um tempo com isso. Mas aí percebi que o que
estraga as corridas é a pressa.
Para
que pressa se estamos no meio da natureza, pedalando por
montanhas maravilhosas, atravessando rios limpos, ao lado de
cachoeiras fantásticas?
Acho a competição natural e saudável. O que f. tudo é a
síndrome do vencedor, a idéia de que “é preciso ser o
primeiro”.
Competir
é legal quando a gente perde e ganha.
Limites:
conhecê-los
O legal não é superar limites e sim “conhecer seus limites”. Tem uma grande diferença entre as duas coisas. Conhecer
nossos limites - físicos, psicológicos, intelectuais, de
sociabilização, etc - é conhecer importantes facetas de nós
mesmos.
Não existe laboratório mais completo para cada ser humano do
que nós mesmos.
Tandem:
bicicleta para dois
Na
tandem, vou sempre na
frente, sempre. Inventei até uma regra para a minha tandem:
“o dono sempre dirige”
3º lugar
na categoria tandem em 2002 no Iron Biker
Foi baba, só tinham 4 competidores, há, há, há...
Mas não foi moleza fazer a prova de tandem.
Nada é moleza
quando se pedala uma bike dupla em terreno acidentado.
O desafio é imenso, a recompensa
é proporcional.
Tandem,
pra que te quero?
Para transformar em coletiva uma experiência individual.
Eu acredito que é na comunhão, nas experiências, que
aprendemos mais sobre nós mesmos. O outro é o melhor espelho
que existe para nós.
As diferenças se encurtam, as afinidades se estreitam.
Sou da teoria que andar de tandem é a prova máxima para o
sucesso de um casamento.
Desafio
coletivo
Ver-se diante da nossa incapacidade de sermos seres
coletivos.
Não tem
frustração maior, eu acho. Fracassamos em duplas sobre uma
bike, fracassamos no casamento, na sociedade, como pais,
como filhos, etc. Tudo representa o mesmo fracasso:
incapacidade social.
A tandem pode ser a prova dos nove.
Piloto X
Stoker
Em
português
eu costumo chamar
o piloto de “capitão”
e o
stoker de “segundo”.
Gosto dessa nominação, que eu mesmo decidi organizar,
justamente porque as palavras definem as funções.
Prós e
contras da tandem
Quando perdemos, perdemos em dobro. Quando ganhamos,
ganhamos pela metade.
Parece
ruim? É ótimo.
Bike
Courier em Berlim
Minha
rotina era ótima: livre pela cidade, conhecendo intimamente
ruas e hábitos dos habitantes, fazendo esporte e ganhando
dinheiro.
Mas pedalar às vezes 180 km em um dia, com chuva, sol, neve,
a ventania típica de Berlim, não é fácil.
Trânsito
na capital alemã
Educado.
A
grande diferença do trânsito lá é o entorno... Mais praças,
mais árvores, mais verde. Coisas que mudam a personalidade
das pessoas em uma metrópole, coisas que refletem no modo
como as pessoas dirigem seus carros.
Serviços de bike courier no Brasil
No Brasil acho que não funciona esse tipo de serviço por um
problema puramente econômico.
Aqui nós temos um enorme contingente de motoboys, que
cumprem distâncias absurdas, longas horas diárias, por
salários de fome. Não tem como competir com eles de
bicicleta.
Vida de
Artista: ...Homem-Cueca?
Acho que
estou mais para
Homem-Ceroulas...
Faz tudo que o Homem-Cueca faz e ainda esquenta as
coxas...
Homem da
cueca vermelha
Coincidentemente, ou não, quando eu tinha uns 20 anos
fui convidado para fazer teste de câmera para um filme do David
Cardoso. Nem sei
por que não tentei o papel.
Ah, se arrependimento matasse!
Produzindo e transpirando
Produzia
o programa
Transpiração na Rádio Transamérica FM de São Paulo. Fazia diversos personagens humorísticos, entre eles a
Clotilde Advice, uma sexóloga tarada que dava conselhos no
ar.
A
personagem ficou tão conhecida no ar que o Gugu Liberato a
convidou, me convidou, para ser jurado(a) de seu programa
Viva a Noite.
Fui julgar o concurso do Rambo brasileiro, vestido de
Clotilde.
Graças ao bom Deus não tenho cópias dessa passagem
da minha carreira artística...
Ping-pong
Tomar um
rumo na vida ou seguir uma trilha nesse mundo?
Nem um
nem outro. Fazer sua própria trilha é mais meu estilo.
Lama ou
deserto?
Lama,
definitivamente. Sem água não há vida.
Pedra ou
cascalho?
Pedra,
porque cascalho é a pedra destruída pela mão do homem.
Subida ou
descida?
Subida,
enquanto meu corpo permitir. De moleza já chega a vida!
Em grupo,
a dois, ou sozinho?
Tanto
faz, cada situação pede uma postura, temos que nos adaptar.
Peregrino
atuante? Ou explorador inconstante?
Curioso
inveterado.
Que
trilha, aos arredores de SP, é o caminho da felicidade?
Está cada
vez mais difícil de encontrar “trilhas ao redor de São
Paulo”. A objetividade capitalista da metrópole vai
transformando as trilhas em caminhos supérfluos. Mas não
podemos perder as esperanças e devemos continuar atentos,
buscando. ◘
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