Num
pequeno vilarejo ao Norte da França, o vento gelado da
Normandia pensa em revelar o ouro da região. Em
dezembro há uma névoa no ar, o que impede de imaginar o
espetáculo que está por vir ou que está para ver.
As ruas da
vila carregam nomes de célebres escritores que fizeram de lá
um porto de inspiração. Sigo adiante e, em alguns minutos,
me prostro. Vejo a baía de Etretat. Não dá para saber se
suas falésias se afundam no mar ou se foi o mar que as
ergueu.
Fico petrificada, mas não pelo frio.
À minha frente,
um grande obelisco, escavado pela erosão do
mar. Com o tempo nublado, o mar não é extraordinário, como
dizem ser no verão, mas admirável - estudantes de artes
plásticas e pintores revivem um pedaço do passado de seus
mestres, com pincel e tinta, numa praia de olhar profundo,
coberta de cascalhos - provavelmente vulcânicos. Em lados opostos,
dois portos, o D’Aval e o D’Amont.
Decido seguir pela falésia D’Aval, de onde estou não dá para
ver o fim do horizonte, mas do outro lado, a gêmea, nem
siamesa nem univitelina, me guarda feito farol. Singular,
parece que o envelhecimento não preocupa as falésias de
Etretat: a cada século que passa, suas escarpas ficam mais
enigmáticas ainda.
Subindo contra o tempo, logo se vê a
Trou à l’homme, a falésia com um furo, um buraco no meio
e na parte debaixo dela. Escuto alguns dizerem “Oh, c’est
superbe à trou l'lomme!”, eu acho o buraco soberbo mas
engraçado também.
Seguindo mais adiante, avista-se a
segunda, a Mannepport, tão pintada por Monet, seu arco é um braço que se derrama nas águas geladas e faz
companhia a uma agulha-rocha, L‘aiguille, que
deriva no mar a 500/600 metros de distância de Manneport.
Entre L‘aiguille e eu, pássaros vertiginosos
fazem vôos suicidas.
A brisa é uma mão forte que me empurra
para trás. Persistente, me inclino e sigo a descoberta:
“Isso aqui é uma locação de cinema!”. Caminho em direção ao
desfiladeiro e náuseas chegam de repente. Veja ao longe a
terceira falésia La Courtine.
Estou rente, mas não abusada,
do penhasco de Manneport. Tenho súbita vertigem.
Respiro fundo, olho à minha esquerda, do lado oposto do
abismo, o extenso campo de golfe desafoga a tontura.
Fotografo com os pés gravados na curta relva. Respiro fundo
mais uma vez e, perplexa com a magnitude do local, minha
cabeça começa a rodar um filme. Sinto um suspense no ar
(talvez foi assim que Maurice Leblan começou a escrever
L'Arsène Lupin). Black-out:
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