Sentados à frente da TV, assistindo trechos de uma novela
recente ou de um programa na National Geographic, não se
percebe a elegância estranha de uma ave gigantesca, com asas
que atingem até três metros de extensão, como o Tuiuiú.
Nem
mesmo o equilíbrio natural de filhotes montados no dorso de
suas mães capivaras quando elas repousam; ou o silêncio dos
jacarés com bocas entreabertas refrescando-se num dia quente
na margem do rio. Tem que estar lá sentir na pele e
arrepiar-se ao vento.
É
pântano a ser pisado e respirado com vigília. É uma pousada
viva de pássaros, onde toada e gorjeio se confundem com sons
de vento, de folhas, de galhos e, se um estrondo incomum
irromper, milhões de asas estremecerão no céu.
O fato
de ser protegido e de o turismo de massa não ter fincado
garfo e faca nos seus 250 mil km2 de terras mato-grossenses
torna o confim selvagem. Ali jaz um santuário de animais
silvestres. Tudo parece padecer em perfeita harmonia.
Porém
tem mês certo para visitar a região. Nunca no ciclo das
cheias, entre outubro e março, pois é nessa época em que os
moradores migram e borrachudos viram caseiros do local.
Agosto é o mês certo.
Para
chegar ao Pantanal do Norte, o ponto de partida é Cuiabá e o
destino, Poconé, cidade hospitaleira com mais de 31 mil
habitantes - entre os dois pontos do percurso dá um total de
94,8 km de rodovia asfaltada.
Localizado no centro da cidade de Poconé, o Skala cobra R$
80, 00 a diária do casal, com direito a café da manhã. O
hotel, que também é peixaria, tem uma comida caseira
deliciosa e seus funcionários são simpáticos e atenciosos.
Não
há
muita opção de hospedagem, a não ser o estilo “pensão”, caso
esteja na cidade, e é de lá que se iniciam os 140 km da
Rodovia Transpantaneira, uma estrada de terra plana com
cascalhos, em ótimas condições para trafegar, e devagar.
Aproximadamente até o 70º km da Transpantaneira é possível
encontrar alguns lugares para dormir. A maioria das pousadas
oferece refeição completa – há um restaurante em todo o
trajeto – e várias opções de passeios.
Os
preços vão de R$ 350,00 a R$470,00 a diária do casal. Se
não negociar antes de chegar, prepare-se para gastar. O
preço cobrado vai além das estrelas que as pousadas têm. Com
sorte, consegue-se fechar um pernoite-casal por R$ 250,00.
Para o passeio de barco pelo Rio Pixaim,
não esqueça de levar peixe fresco, o destino pode ser a toca
das ariranhas. Brincalhonas e ágeis, essas parentes de
lontra virão pegar a comida em sua mão, segurarão o peixe
entre as patas e fincarão os dentes grandes e pontudos no
suculento alimento.
Se
tiver o prazer de ver uma delas em ação, ouvirá o som
peculiar que emitem, mas não perceberá, estando fora da
água, que elas podem atingir até dois metros de comprimento.
Graciosas, as ariranhas vivem em bando e, raras, estão em
extinção.
Além
dos programas oferecidos pelas pousadas, como focagem
noturna, cavalgadas, etc, uma boa opção é passear pela
Transpantaneira, de carro, moto, ou bicicleta, um pouco a
cada dia, para conhecer, fotografar e aguardar um momento
especial.
Revoadas de garças preenchendo o céu chapado e azul. Duplas
de jaburus fazendo cocô em sincronia, como se fosse uma
coreografia. Bando de piranhas subindo à superfície do rio -
olhos e guelras na água argilosa – e, em segundos,
afundando, desaparece.
Mas o
grande momento acontece nos últimos 40 km da rodovia. A
partir dali o mundo pertence mesmo à natureza e aos animais.
A paisagem é irreal, estonteante. Colhereiros-rosa,
Martins-pescador, Biguás, Galinhas d’águas...
Milhares de pássaros juntos, ao mesmo tempo, dividem o
espaço na terra e no ar. O Pantanal possui mais de 650
espécies de aves catalogadas, todos os tipos, aquáticas,
paludícolas e arborícolas, e 444 delas são raras.
No final da Transpantaneira, Porto Jofre pode proporcionar
um pernoite inusitado e agradável - dependendo do dia,
pagará no informal Hotel da Diana R$ 130,00 por um quartinho
de sapé e duas refeições. A comida e pão que a Diana faz são
deliciosos!
Terá
direito a um cômodo visitado por rãs, com cama de solteiro,
lençóis com bálsamo de escamas, e escutar o ruído do gerador
que funciona a noite inteira e que somente pára às seis da
manhã, na hora do banho.
Sem
ironias, uma experiência singular. Porque ao amanhecer, há
uma vista singela e desbundante nesse vilarejo de
pescadores. Grunhidos ecoam. Araçaris e Araras-azul compõem
a paisagem e podem estar na grama ou dentro das árvores,
onde dormem.
Essas
aves em extinção são tão comuns lá, que seus moradores nem
fazem alarde. Com um pouco de sorte, é possível presenciar a
visita de um Jaburu solitário e vê-lo caminhar entre os
pescadores como se fosse um deles.
Chalanas partem, garotos pescam na beira do
Rio Cuiabá. O sol faz evaporar o
orvalho nas folhas e na relva, iluminando barcos de alumínio
que esperam à hora da labuta. A vila doura-se, e do outro
lado da margem do rio, mais lados do Brasil a se descobrir.◘ |