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02/10/2006

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Ping Pong - significados e significâncias em torno da palavra e do filme de grande sucesso no Japão, baseado no mangá homônimo de Taiyou Matsumoto e dirigido por Fumihiro Masuri Por: Viviane Fuentes  

Fotos:  Divulgação   

Tardes descomplicadas eram aquelas em que se mascava Ping Pong de hortelã e andava pelas calçadas de uma cidade do interior, com çalças jeans estonadas, acreditando ser cocota. Cocote em francês quer dizer galinha. Na cidade onde eu nasci, garota popular, moderna.

Ser cocota e mascar chiclete ao mesmo tempo era transgressor! Com a possibilidade de se tornar colecionador apurado de figurinhas de bichos minotáuricos. Metade uma coisa, metade outra. Jacacobra! Figurinha de jacaré com cobra. Macachorro. Macaco com cachorro.

Quando as figurinhas se repetiam, trocavamos-nas – e, na época, nem sabíamos que foram os soldados americanos que trouxeram a goma de mascar para o Brasil durante a 2ª Guerra Mundial.

De chiclete em chiclete, a Kibon lançou a marca Ping Pong em 1945 e manteve seu boom por muitas décadas. A marca Chiclets provém de "Chi-clé" chi significa boca e clé significa movimento. Por sua vez, a palavra chiclete (a “correta” é goma de mascar) provém da marca Chiclets pertencente a Adams tanto quanto a Ping Pong.

No final, na boca, a goma de mascar é sempre chiclete.

Mas há muito deixou-se de mascar Ping Pong. Numa época em que se voga “pouca caloria”, uma unidade desta goma, que não é só para criança, tem 19 calorias. Os chicletes sem açúcar prometem apenas seis calorias por unidade.

Em minha adolescência, não existia o palavrão “caloria”. Ninguém era obeso nem bulímico. Vivíamos desencanados. No clube, depois da piscina, lanchinho, e depois do lanchinho, sorvete e ping-pong - nesse caso, refiro-me ao esporte originário da Inglaterra - o nome onomatopéico provém do som que a bolinha de celulóide fazia quando batia na raquete oca de pele de carneiro, na metade do século XIX. 

Aqui no Brasil e não na Inglaterra, com o cabelo ainda cheirando a cloro, eu adorava jogar ping-pong (o nome correto é tênis de mesa, os ingleses tentaram oficializar a categoria como “ping-pong”, em 1921, mas a marca já estava registrada, desde então a nomenclatura oficial do esporte é “tênis de mesa”).

Nunca levei a sério o desporto. Muito menos competição. Jogava mal, mas era pura diversão. E vim a descobrir, há poucos meses, que, do outro lado do mundo, há acirradas competições intercolegiais de ping-pong – afinal, em 1988, tornou-se esporte olímpico, com destaque para Japão e China.

Quando criança, sabia que para chegar à China bastava furar o chão e ir até o final, do outro lado da “terra” e, ao Japão, bastava pegar o metrô e descer na Liberdade, bairro japonês de São Paulo.

Não sabia nada sobre campeonatos de ping-pong e sim de basquete. Sou do mesmo lugar que é o Hélio Rubens, excelente jogador de basquete, hoje treinador conhecido. Há quase 30 anos, ele era o herói que projetaria nossa pequena cidade para o mundo. Causava-nos grande frisson assistir com a família aos campeonatos de basquete no ginásio do Poli Esportivo.

Campeonato significa pressão. Pressão dos técnicos e da torcida na equipe e/ou jogadores. Uma verdadeira cocote minute – como os franceses chamam a panela de pressão. Anônimos viram famosos. Famosos ficam poderosos. Amigos, se em times adversários, tornam-se inimigos e, na maioria das vezes, o espírito esportivo, como diria minha avó, “vai pras cucuias”.

E é nesse impasse que ficarão os personagens Peco e Smile, ao terem de se enfrentar nas disputas de finais de um campeonato de tênis de mesa em Ping Pong - filme que me revelou um Japão humano, não só de ideogramas incompreensíveis e estatísticas de jovens suicidas.

Produzido em 2002, o filme esteve em cartaz no Brasil, passagem relâmpago, entre junho e julho de 2006, na Mostra Japão Pop que aconteceu no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo e Brasília, com curadoria de Rodrigo Sommer e Adriano Vanucci.

Ping Pong é baseado no mangá homônimo muito popular no Japão criado em 1996 e distribuído em cinco volumes pelo mangaká Taiyou Matsumoto, que é fã de quadrinistas de HQ como Moebius e Enki Bilal.

Matsumoto entregou o projeto nas mãos de Fumihiro Masuri (Sori), que havia sido supervisor de efeitos especiais de Titanic, filme de James Cameron.

Sori assinou a direção - mais que acertada! Trabalhou exaustivamente na pós-produção para conseguiu o resultado final: grafismos audaciosos, partidas bombásticas com cortes surreais e emocionantes.

Fiel ao mangá de origem - até os atores são muito parecidos aos personagens no papel - honrou o universo do criador e foi além da qualidade técnica.

Conseguiu imergir no drama de cada um dos personagens, mesmo quando coadjuvantes. Captou a apreensão dos jogadores no momento anterior às partidas. Mostrou com delicadeza o conflito existencial de seus protagonistas.

Afinal quem são exatamente os protagonistas? Eles mascam chiclete ou jogam tênis de mesa? Os dois. E até mais! Quando querem se drogar vão até as últimas conseqüências, se entopem de refrigerante e esvaziam inúmeros saquinhos de petiscos.

Mas o mote não é esse. Ping Pong é um filme que fala sobre a amizade. A amizade entre dois amigos de infância e de raquete, das vezes em que um se resguarda à sombra, deixando de lado o ego e a vaidade, para que o outro se revele.

Peco é o melhor amigo de Smile, desde a tenra infância. Peko-peko em japonês quer dizer faminto. Peco é “fominha” por bola, quer vencer todas, afinal ele pode voar. Smile em inglês é sorriso - difícil lembrar a última vez que  sorriu. Para Smile, o tênis de mesa não é tudo na vida, ele encara o esporte de maneira anárquica, jogar bem não significa ser classificado, competir ou ganhar. Ele joga para passar o tempo e refletir do que as pessoas são feitas.

 

Existe uma cena no filme que deixa claro a personalidade de cada um de seus protagonistas, e a delícia das diferenças:

CENA Vagão de metrô-Interna-Dia

O vagão está em movimento. Peco coloca o fone de ouvido.

Peco (sacode a cabeça ao ritmo da música que ouve): Bong!!

Smile, a lado de Peco, olha pela janela.

Peco (sacode a cabeça ao ritmo da música que ouve): Pong!!! (longa pausa) Bong!!

Smile: (para Peco) Completa o refrão... “in the USA”.

Nesse momento, o público percebe que a música a qual Peco ouve - e canta apenas uma palavra (Bong ou Pong) - é a letra da música do Bruce Springsteen “BORN in the USA”.

Peco personifica a emoção, o impulso. Não se importa em não saber a letra, ele sai cantando como a entende. Ao contrário de Smile que personifica a razão, a reflexão. Para ele é importante entender e saber a letra para cantar.

Os atores Arata (Smile) e Yôsuke Kubozuka (Peco) são dotados de grande carisma. Impossível não se encantar por eles. Arata é charmoso e não tão jovem quanto o personagem que encarna em Ping Pong - na época, tinha aproximadamente 28 anos - em seu currículo, mais de oito filmes. O polêmico Kubozuka é intenso e explosivo tanto no filme como na vida real. Atuou em tantos ou mais filmes que o parceiro e em várias séries de TV no Japão.

Existe um momento no filme em que um personagem secundário vive o grande dilema "jogar ou não jogar" e entra em pânico minutos antes da partida, tem a certeza de que vai perder para o tal China (um grande jogador) - os chineses têm tantos ou mais títulos e fama no ping-pong que os japoneses - os pais estimulam o jovem: "Filho! Nem todo alemão bebe cerveja, nem todo negro sabe sambar..."

A cena arranca risos da platéia. O jovem ao ouvir aquilo, pára e refelete. E não importa se, no final, o tal China ganhe de lavada. E o jovem acabe aos berros e aos prantos. Ou vice-versa. A vida é cheia de erros e acertos, ganhos e perdas. Um mais um pode não ser igual a dois, dependendo de quem paga ou de quem recebe.

Jogar para se divertir. Jogar para ganhar. Jogar apenas para passar o tempo e refletir. Jogar e perder. Ping pang qiu em chinês. Takkya em japonês. Tak-ku em coreano. Os nomes, as línguas, culturas, mesmo distintos, têm algo em comum: significados e significâncias.

Ping Pong é sem dúvida uma fábula humanista, uma comédia esportiva, com espírito esportivo, aonde seus protagonistas vão até as últimas conseqüências, ou inconseqüências, essenciais à adolescência, para não perder a amizade, para ganhar a competição, mascando chiclete ou não.

Assistir a esse filme nos remete à sensação gostosa de uma época em que mascávamos chiclete, andando pelas calçadas, acreditando ser dono da verdade e, mal sabíamos que, no quarteirão seguinte, poderíamos ser desmascarados por nossas próprias figurinhas minotáuricas.

*O filme Ping Pong não foi lançado no Brasil, ele se encontra à venda na internet, em sites como a Amazon