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 NUMA TANDEM: 650 KM, 9 DIAS, 1 VIAGEM 

A

De CUNHA a paraty

Viviane Fuentes e Mathieu Gillot

 

650 km  percorridos, missão cumprida e comemoração romântica, romântica, na chegada a Paraty!

 

Fotos dessa viagem estão em http://www.flickr.com/photos/numatandem

 

 

Despencando na boa e velha serra de Cunha até as águas da baía de Paraty - diário de 20/08/2005 - domingo

Percorrendo o último dia de pedal, fecharíamos nossa viagem com chave de ouro e apenas um raio quebrado como acidente de percurso.

Avistamos um curioso e eficaz meio de transporte neste dia de pedal, uma “moto/caminhonete” trafegava no acostamento, no mesmo sentido que nós, mas do outro lado da pista, horas depois de começamos a pedalar, na rodovia Cunha-Paraty.

O motorista parecia transportar um javali em sua carreta e, antes a 30 km por hora, parou o veículo. Paramos a tandem também. Fui atrás dele com a filmadora. Nunca tinha visto um javali ao vivo. Ao chegar lá, não vi o que, exatamente, esperava.

E sim uma porca ruiva que suava de tanto calor. Proseei um pouco com o seu dono que me disse com orgulho que o ela se chamava “Tchutchuca”! É isso aí, Tchutchuca!! Achando divertido o nome do suíno, voltei rindo à tandem e seguimos nosso destino.

Faríamos uns 30% de asfalto na 1ª parte do trajeto, 50% de terra e mais 20% de asfalto, na 3ª parte, até chegar a Paraty. O dia estava lindo. No asfalto, mesmo acalorados, penamos pouco, tudo estava sob controle até chegar à serra de Cunha.

Ela era nosso maior desafio no último dia de pedal da Estrada Real. Não sabíamos como os freios iriam reagir. Mathieu prometeu conduzir suave, e os 35 quilos de bagagem provavelmente retardariam a velocidade que a tandem pega na descida.

Afinal, pra baixo todo santo ajuda - pra cima a coisa toda muda! Mas aquele percurso nos era familiar, anos antes, fomos de carro de São Paulo até o início da serra para Mathieu descê-la, fazer downnhill – eu fiquei como carro de apoio.

A segunda vez, fomos com um grupo de ciclistas, e sem bagagem, conhecemos antes a Pedra Macela que fica no km 61 da Rodovia Cunha-Paraty, e depois sobe-se 4 km, íngremes que doem, para avistar, a 1840 metros de altitude, a bela baía de Paraty.

Descemos de tandem aquela serra que, quando começa a inclinar, não existem freios para ela - Mathieu é destemido, praticou downhill, mas eu não sou muito íntima de longas descidas curvadas.

Naquele tarde, com o grupo, passei certo aperreio. Quem está na parte traseira da tandem não tem tempo ou vista para ver e se precaver numa descida como aquela. Tem que sentir o movimento, seguir o comando do capitão, rezar, e fechar os olhos.

O aconselhável é o stoker utilizar sapatilha. Primeiro porque ele não precisa pôr o pé no chão, a não ser na hora de descer da tandem e, segundo, para sua segurança, numa descida de trilha, é bom ter os pés bem firmes e apoiados em algo.

Portanto a sapatilha do stoker deve estar bem encaixada no pedal - o que não aconteceu comigo na primeira aventura e, por mais que eu gritasse “desencaixei, Mathieu!”, a tandem, irada na descida, quase me arremessou à Serra do Mar.

Hoje parece engraçado, mas naquela tarde de sábado, quase pedi o divórcio e, dali a pouco iríamos encará-la novamente, mas por enquanto estávamos no asfalto, não queria me ater a isso - não sei o porquê, pensei em Super Bonder.

No meio da Mata Atlântica, começamos a baixar, com o cheiro selvagem de terra e folhagem, e a tandem a despencar. Dava início ao “começo do fim”, sabíamos que, ao término da serra de Cunha, a viagem teria sua doce e lenta morte.

O capitão manteve a tandem suave e se divertiu pacas! Alucinante a descida! Desta vez, senti-me segura e curti mais. Até que o freio desapareceu. Rapadura é doce, mas não é mole... Minutos depois, sem explicação, ele volta.

Mathieu esperou o momento apropriado para pararmos a tandem. O freio a disco ficara roxo! Um raio quebrou. Aproveitamos para beber água e sondar a situação fantasma, mergulhados em conjecturas, montamos na tandem, e fomos até o fim.

Foi muito bom descer os XX km da serra de Cunha. Ao chegar ao asfalto, não eram nem 3 da tarde. Queríamos descê-la novamente naquele mesmo dia. Mas decidimos almoçar num restaurante que fica pouco antes de Paraty e rodeado por cascatas.

Nenhum sentimento de “vitória” nos invadia e sim uma sensação de pós-orgasmo, porém ao invés de fumarmos um cigarro, tiramos o capacete e pedimos um espaguete com molho de tomate, caseiros, já no restaurante.

Ao descarregar as bagagens da tandem na pousada, sem poeira no corpo, banhados de cachoeira, veríamos no marcador os 68.20 km percorridos no nono dia de pedal. Subimos ao quarto, abrimos a janela, e avistamos a cidade.

Paraty foi povoada por volta de ano de 1533, atacada por corsários ingleses e franceses na era do ouro (século XVIII), foi também antro de antigas expedições indígenas, e em seu porto, muitas batalhas navais foram travadas.

Apenas a 5 metros de altitude do mar, tem mais de 33 mil habitantes, é famosa por suas aguardentes - no séc. XVII já possuía 150 destilarias – e em 2003, entrou para o circuito intelectual com o FLIP (Festival de Literatura Internacional de Paraty).

Ficaríamos por lá dois dias, fazendo movimentos diferentes do pedalar com as pernas. Caminhando na areia, mergulhando no mar, chutando as chinelas no Centro Histórico da cidade.

Sentaríamos às mesas dos restaurantes. Paraty sempre nos foi um convite à boa vida, dos glutões, inclusive. Pizza com massa fina e crocante no Punto Divino, a deliciosa cozinha tailandesa no Thai e sorvete de limão na sorveteria da praça principal.

Viraríamos molusco na areia. Passeio de barco a dois em várias ilhas, parando apenas para dar um mergulho. Aportar na ilha do Catimbau, petiscar polvo a vinagrete, tomando uma refrescante batida de coco salpicada de canela.

Todavia ainda estávamos no marco da ER, pouco antes da entrada de Paraty, a fincar o mastro do casal Gillot. Olhamos para trás e constatamos o motivo do nosso prazer e cansaço. A viagem nos transformara.

Havíamos percorrido 650 km em nove dias e conhecido um pouco mais de 500 anos de história do Brasil Colônia. Dois sentimentos que, normalmente, não se combinam juntos, nos apropriaram.

O prazer de termos feito uma viagem-aventura de tandem e a tristeza de tê-la terminado. De qualquer forma, agradecemos a Garcia Rodrigues por abrir o Caminho Velho do Ouro! Emocionados, nos beijamos e seguimos para o marco final: Paraty

Essa seria a primeira viagem de tandem de uma série de outras que estaria por vir!

 
 

Fotos dessa viagem estão em http://www.flickr.com/photos/numatandem