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 NUMA TANDEM: 650 KM, 9 DIAS, 1 VIAGEM 

A

De são Paulo a Ouro preto

Viviane Fuentes e Mathieu Gillot

 

Mapa Google da região a ser percorrida

 

Fotos dessa viagem estão em http://www.flickr.com/photos/numatandem

 

   

AQUECIMENTO EM SÃO PAULO  – Diário de 08/08/05, sexta-feira 

Estou em casa, atualizando o site, e recebo o seguinte e-mail do Mathieu:

            O que você acha de fazermos uma viagem de Tandem? (o link da Estrada Real estava no corpo do e-mail) São dez dias pedalando, uma média de 60 km por dia.

Não cliquei no link, apenas pensei de maneira superficial na logística de uma viagem como aquela:

            ...60 km por dia X 10 dias de pedal? Hummm...Acho que consigo.

            Sem ter noção do grau de dificuldade ou facilidade de um percurso como aquele, sem saber como exatamente era a Estrada Real, respondi ao e-mail:

            Ok, mas sem essa de camping selvagem! Quero lençóis limpos e ducha de pressão.

 Quatro dias depois...

Diário de 12/08/05, sexta-feira                                                                   

Descemos do ônibus sonolentos, o céu parece estar nublado. São 6h30 da manhã, uma brisa gelada e preguiçosa paira no ar. Tímida, Ouro Preto sorri para nós.

Doze horas antes, 696 km atrás, empurrávamos a Tandem pelo Terminal Rodoviário Tietê, em São Paulo, receosos de que a viação que nos levaria a Ouro Preto impedisse o transporte dela.

Ao embarcar, encontramos um funcionário com boa vontade que, sem dizer que a bicicleta era grande, longa, estorvo ou trambolho, a ajeitou no bagageiro do ônibus com a ajuda do Mathieu – as rodas e o alforje foram retirados para ser melhor acomodada.

Um pouco antes antes, pedalávamos pela Marginal Tietê, trajados de ciclistas, carregando trinta e cinco quilos de bagagem na garupa, entre roupas, filmadoras, máquinas fotográficas, recipientes para água, barraca, sacos de dormir.

Dias atrás Mathieu havia lido na Internet a experiência de Antonio Olinto e também a de José Maurício de Barros que percorreram a Estada Real de bicicleta. Se inspirou e, contagiado pela idéia, imprimiu os trajetos e as dicas deles (contidos em seus sites) - esses impressos seriam os nossos mapas.

E foi com eles que partimos da Vila Romana, o bairro em que moramos em São Paulo, rumo à viagem. Sem GPS, mas com bússola.

Eu não tinha idéia de onde exatamente pedalaríamos, é reconhecido que sou débil em geografia. Mathieu já tinha estudado o caminho, tinha um desenho, um fio condutor em sua mente.

O desenho que eu tinha na minha mente, era igual à imagem de TV fora do ar. O que eu sabia sobre a Estrada Real era vago. Um pouco antes de embarcarmos, de ônibus, para Minas, sentados numa lanchonete, analisei o tamanho da encrenca.

Tudo parecia ser descida... Ilusão!!

Pela primeira vez, olhei os mapas e o Caminho Velho do Ouro se revelou para mim em partes. Observei as anotações de altitude, muito morro, muita subida... Frio na barriga... Não quis pensar para não apavorar, teria que pedalar de qualquer jeito.

Era a oportunidade de viver o “dia” em que se vivia, sem pensar no amanhã, ele chegaria de qualquer forma. Não o anteciparíamos, viveríamos o hoje, sem se preocupar com o futuro.

É claro que para uma viagem como essa exige planejamento. Não é apenas se jogar e deixar o vento levar. Por ser a stoker (pessoa que pedala na parte "traseira" de uma Tandem), desfruto de uma posição especial: eu não guio. As rédeas do destino não estão exatamente comigo.

O stoker tem que confiar cegamente no piloto, e a principal função dele é pedalar. Ser parte do corpo da bicicleta, e ser o corpo do piloto, estar no ritmo do “soco” dele. Não guio, nunca. O guidão é um apoio para as mãos, e ajuda muito na subida. Portanto quem pilota uma Tandem, não tenha dúvida, é o piloto (isso não é pleonasmo!).

Pedalar numa bicicleta de duas rodas, dois bancos e quatro pedais não é difícil, é diferente. É necessário sincronia entre os parceiros, entre a dupla, principalmente numa viagem como essa.

Sou 60% surda do ouvido direito e confio cegamente no Mathieu (além disso, estou mais segura com ele ao volante do que comigo).Enfim, dadas as estradas acidentadas que percorreríamos, me concentrei na nossa próxima parada.

Alguns séculos antes do dia em que estávamos, exatamente no ano de 1698, o ouro foi descoberto nas encostas dos morros e nas margens no Pico do Itacolomi, antes conhecido como Pico do Itacorumi (em tupi, menino-pedra).

Dessa descoberta nasceu a cidade mineira que, 282 anos depois de sua fundação, tornaria-se Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco (1980): Ouro Preto.

Sua topografia da terra é plana 5%, ondulada 40% e montanhosa 55%. Se chamava Vila Rica na época em que os Bandeirantes (portugueses e paulistanos) decidiram enriquecer e aventurar-se por aquelas bandas. Antonio Dias e Padre Faria foram os precursores na corrida ao ouro.

Em retribuição à riqueza conquistada, foram construídas igrejas que caracterizariam a arquitetura da cidade. Ouro Preto esteve na mira dos modernistas de 22 (Mario de Andrade, Oswald de Andrade e Tarsila Amaral), revelando ao mundo a arte barroca e artistas como Aleijadinho.

O auge do ouro ocorreu de 1730 a 1760. Entre guerras (Guerra dos Emboabas, 1707, luta pela democracia na aventura do ouro), revoluções iluministas (Inconfidência Mineira, 1789), trágicos momentos históricos (o enforcamento de Tiradentes), o declínio do eldorado chegou por volta de 1763, e ouro virou pó.

A cidade que tinha 40 mil habitantes, 30 anos depois de sua fundação, foi chamada de Imperial Cidade de Ouro Preto (1883), e desfrutou ser a capital de Minas Gerais até 1887. Hoje possui 60 mil habitantes, entre zona urbana e rural.

E aqui estamos, Mathieu e eu, colocando capacete, descarregando a Tandem do bagageiro do ônibus na rodoviária da antiga Vila Rica, para reviver a época em que o Governador do Rio de Janeiro, Artur de Sá e Menezes, numa brincadeira casual, mordeu uma pedra preta oriunda do Pico do Itacolomi e notou que o interior dela tinha um brilho e era dourado.

 
 

Fotos dessa viagem estão em http://www.flickr.com/photos/numatandem