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 NUMA TANDEM: 650 KM, 9 DIAS, 1 VIAGEM 

A

De caxambu a cruzeiro

Viviane Fuentes e Mathieu Gillot

 

Na serra de Caxambu, uma hora depois do início do pedal

 

Fotos dessa viagem estão em http://www.flickr.com/photos/numatandem

 

  

De manhã, um casal de tucanos nos acompanha à saída de Caxambu (MG) rumo a Cruzeiro (SP)- Diário de 18/08/2005 – 6ª feira

Àquela estrada nos foi altamente recomendada como perigosa, sem acostamento, estreita e sinuosa, trânsito de caminhões, mas foi por ela mesma que começamos o sétimo dia de pedal.

Os 100% da jornada seriam no asfalto, o que pode ser incômodo para alguns pilotos, por passar muito tempo em contato traseiro/selim, pois não há o movimento das trilhas. Mas eu gosto da “previsibilidade monocórdica” das estradas asfaltadas.

É a chance de ficar de bobeira. Dá mais tempo de olhar ao redor, sem pressa. Se Mathieu pergunta “Veep, onde você está que não está pedalando?” pode apostar que estou a babar na paisagem ou, no mínimo, praticando ioga.

Mas vamos lá! Na tandem, o stoker não pode diminuir o ritmo do pedal, a não ser com o consentimento do piloto, por uma eventualidade. Quem pedala atrás, não está de carona, a dupla tem que estar sincronizada... Mas às vezes deslizo sem querer.

Enfim, nos despedimos de Caxambu enquanto o sol mornava a manhã tranqüila, encarando a primeira parte da viagem como um dia de passeio - tivemos a sorte de não cruzarmos muitos carros no início da serra – todos estavam em casa, havia corrida de Fórmula 1 na TV.

Na serra, éramos somente Mathieu e eu e uma adorável companhia. Um casal de tucano. Filmei com meus próprios olhos - preferi hipnotizar-me a sacar a filmadora e perder aquele vôo curioso, sempre reto, da ave colorida de bico enorme e leve.

Finalizamos a primeira parte da jornada com uma parada num restaurante típico das estradas familiares mineiras, com variedade de doces, pinga e enormes alambiques à venda. Naquele ponto da estrada já havia acostamentos.

Compramos um pote de doce de leite com ameixa e, meio a meio, o consumimos. A conseqüência disso resultaria em cena de desenho animado. Na volta ao batente, pedalamos numa rapidez atômica Beep Beep - 15 km se passaram em dez minutos.

Depois fizemos a rota da região de Pouso Alto, São Sebastião P. Verde, Santana do Capivari, Itanhandu, as placas com os nomes dessas cidades passaram nós, mas apenas por Passa Quatro nós passamos.

Do alto, avistamos a cidade de boneca que tem mais de 100 anos como município autônomo e, segundo o IBGE, em 2000, possuía 15 mil habitantes. Cogitamos descer até ela, mas tínhamos muito chão pela frente. Seguimos adiante.

Depois de pedalados mais de 60 km num entorno de muito verde, entramos em determinado trecho da Serra da Mantiqueira, não muito inclinado, próximo à região da cidade de Aparecida, porém quase impossível de seguir por causa do vento contra.

Mathieu nunca o demonstra, mas era evidente o cansaço dele. O piloto estava sofrendo com o vento. Quanto mais pedalávamos naquele trecho, mais distante parecia o final dele, ou seja, o início da descida. Tomávamos uma surra de zéfiro!

Pedi a Mathieu que parássemos um pouco, a brisa forte batendo no meu peito não me deixava respirar e, quando tenho falta de ar, é fácil para dar início à síndrome de pânico que, eventualmente, me ocorre, quando estou em São Paulo.

Mal eu sabia a quizila que eu passaria enquanto Mathieu se divertia após o término daquele trecho. A descida. Paramos várias vezes, para descansar beber água, hidratar e, tomando o comando de nossas vidas, logo venceríamos o incômodo.

Por fim, a agonia se estrebuchou com a chegada a um mirante com uma enorme imagem de Aparecida – ali, não vimos peregrinos, apenas crianças vendendo santos, casais namorando e um motoqueiro fumando maconha.

Nem descemos da tandem, corremos o olhar pela vista e em minutos voltamos à estrada - à nossa frente, uma descida de 18 km, interrompida por curvas fechadas, uma seguida da outra, para aterrizarmos no plano.

Na descida, Mathieu teve sua diversão garantida enquanto eu pagava meus pecados. Ultrapassamos carros a 67 km/h quando peregrinos subiam a estrada a 3 km/h a pé. Não sabiam se erámos um ou dois super-heróis que desciam numa bicicleta estranha.

Um tronco de árvore e eu tínhamos ambivalência, estava dura, sem conseguir acompanhar as curvas, surtei. Desliguei-me na vertiginosa descida ao inferno. Recentemente havia sofrido um acidente de bicicleta, com danos, numa descida tola.

Quando vi, despencamos no paraíso, próximo ao inimigo. Num final de tarde, a neblina entrelaçava a paisagem de montanhas. Bela imagem, após a morte. Mas eu estava viva, realmente, e com dentes. Tremendo, saquei a câmera e fotografei a paz.

Mais um pouco e chegaríamos ao nosso destino, finalizando 95 km pedalados, numa cidade que teve sua importância em outro século devido a uma estrada de ferro que ligava São Paulo ao Rio de Janeiro. Cruzeiro.

O que posso dizer sobre esta cidade? Que chegamos nela em pleno sábado com carros circulando por suas ruas, com som alto, durante toda a madrugada? Que o único hotel de lá, no qual nos hospedamos, foi o pior e o mais caro em toda a viagem?

Deveria eu me abster de falar coisas ruins da viagem e me ater apenas às boas? Não sei, mas bastou entrar no Estado de São Paulo para me sentir explorada. Nada mais de transatlântico, apenas tandem. Adeus Cruzeiro!

Essa noite mal alimentada e mal dormida iria refletir durante todo o percurso da jornada seguinte, o oitavo e penúltimo dia de pedal.

 
 

Fotos dessa viagem estão em http://www.flickr.com/photos/numatandem