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Pseu de Outras Vezes

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04/12/2008 - Bastidores de mãe!

19/05/2008 - Na minha boca não!

18/03/2008 - O que nossas avós não contavam

17/10/2007 - Dublê da Mulher Maravilha Por: Vivi

23/08/2007 - O catador de papelão e a marvada pinga: pros lados é que se vai!

18/06/2007 - Cães dóceis, vizinhos raivosos

02/05/2007 - Pra quem não tem sobrenome de lastro, apelido!

09/04/2007 - Fila, cultura brasileira: em exibição...

05/03/2007 - Rugas, por  que não te quero?

07/02/2007 - Quem é a irmã bastarda?

18/01/2007                    Super gatos, galãs e gatos-gato!

12/12/2006                            Yerma do Agreste

08/10/2006                            Bulímica é a madrasta!

04/09/2006                            Sogras são colonizadoras

01/08/2006                     Cometo gafe, e você não?

01/06/2006                     Jack, meu vício, Ulisses, minha meta

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30/08/2005                        Um segredo, um touro, várias vacas

11/07/2005              Segunda-feira no parque

20/06/2005              Compras sem culpa não tem graça!

31/5/2005                      Tipos, publicidade e viva Gerard Depardieu!

11/5/2005            Champanhe e literatura

 

 

01/08/2006 - Cometo gafe, e você não? Por: Viviane Fuentes

As palavras gafe e espontaneidade são substantivos femininos, quase siamesas. GAFES, as minhas pelo menos, surgem da ESPONTANEIDADE - amigos fizeram do meu nome, um verbo, terminado em AR: equivocar, cometer gafe, dar fiasco, trocar os pés pelas mãos pode significar algo como eu.

Se gafe é deselegância, fiasco é insucesso, meu prognóstico: além de um verbo, sou uma deselegante fracassada. Mas protesto! Minha mãe me ensinou a agachar sem arrebitar o bumbum. Não é justo, nem só de campeões vive-se um páreo.

Alguns diriam que a rata é decorrente de uma ação mal formulada, pensada às pressas, sem conclusão. Não premeditar uma ação é igual a ter catapora quando adulto: muito estranho. Sou inocente, mas não sou vítima, sou espontânea, cometo gafe, e você não?

Todos cometem, mas não comentam. Quem faz a fama, deita na cama. Ou seria o inverso? Quem deita na cama, faz a fama? Lençol e colcha. Não importa o tamanho do colchão.

Peças íntimas. Sussurros.

Como padronizar o tamanho do sutiã? As bundas são diferentes! Quem ganhou o concurso O Melhor dos Iguais? O tamanho médio, grande ou pequeno?

No caso de uma amiga, nem um nem outro nem o outro.

Cerca de mais de um ano, ela quase foi parar num cirurgião, apenas pelo simples ato de ir a uma loja de roupas. Queria comprar um vestido de festa. Todos os que estavam na arara cabiam perfeitamente no corpo dela. Porém faltava algo. Segundo o vendedor, faltava algo na minha amiga e não nos vestidos da loja. Ele disse a ela: A senhora está com o número errado. Ela respondeu com a roupa de festa à mão: Como assim? Há mais de trinta anos visto 40. E 40 é 40. O vendedor respondeu em tom de grande sapiência: Sim, eu entendo, senhora. Mas os seus seios é que faltam ao vestido. A maioria das mulheres sucumbiu ao silicone – e continuou staccatoentre os dois seios, a fenda fica maior. Hoje o tamanho é único.

(Peguei! Agora entendi o sentido de ser único, exclusivo: Único que dizer Igual e não Excepcional)

Minha amiga telefonou para a Defesa do Consumidor e disse, aos soluços, ao atendente: A Mulher Maravilha tinha muito peito porque a atriz do seriado de TV era americana. Os travestis são homens, não têm seios, por isso enchem de silicone o peito, a fim de satisfazer uma fantasia caricata da mulher. Alô! Alô? ...Tum, tum, tum. Desligaram na cara dela. Número errado.

Os vencedores são feitos de formas idênticas. Onde posso comprar uma? Ao vencedor, a forma. O azarão avança na reta final! Causar estranheza é démodé. Eu me rendo. Não tenho o dom.

Descobri recentemente que ter rugas de expressão é inconveniente, não se usa mais, e que o meu bigode chinês tem que ser preenchido com botox, e que a gentileza caiu em desuso. Alguém me ajude!!!!

Houve uma vez, num dia banal como outro qualquer, me prontifiquei a ajudar um deficiente visual, numa calçada em reforma:

            — Senhor, vou ajudá-lo.

            — Não sou aleijado! E tira a mão do meu cotovelo!! – fui arremessada da calçada para a sarjeta.

Não soube onde enfiar a cara. Enfiei a boca numa bomba de chocolate. Pensei, enquanto lágrimas de ódio escorriam dos meus olhos: “Está vendo? Tomou! Quer dar um de Madre Teresa de Calcutá! Tomou!” E aprendi a lição. “Eu, hein?!!”  O tempo passou, a mágoa se foi. E eu sou como sou.

Numa tarde quente de novembro, vi um senhor na rua, deficiente visual, a caminhar numa calçada impecável, lisa, sem desníveis ou buracos. Eu não estava com pressa, era meu dia de folga.

— Senhor, quer companhia? Vou seguir adiante por mais alguns quarteirões.

— Ah, sim, muito obrigado.

Conduzi o senhor pelo cotovelo. Era um simpático velhinho, nunca sei a idade deles, normalmente têm características físicas diferentes daqueles que enxergam. Viemos proseando como se proseia em cidade do interior.

Ao chegar à minha “bifurcação”, me despedi cordialmente. Segui ereta, sem ter os lábios na sarjeta. Superei a mim, ao meu trauma e às minhas gafes. Tinha a sensação de terem me aceitado como eu era.

            No dia seguinte, de volta ao escritório, contei ao meu chefe como foi meu dia de folga - ótimo por sinal. O eco das palavras dele reverberou na minha orelha:

— Como assim? É brincadeira, não?!

— Claro que não! – respondi - Por que, o que é que tem de mal?

— Não tem nada de mal. Tem de errado! - e continuou, parecia bravo - Não é você quem pega no cotovelo, é o deficiente visual que pega no seu cotovelo!

Parei, pensei, havia lógica no que ele dizia. Mas eu não sabia que era assim que tinha que fazer! Ninguém havia me explicado! Na minha família só tinham deficientes auditivos e míopes.

            — O que mais aconteceu? – perguntou com um sorriso entreaberto, deduzindo que acharia algo mais. Talvez a grande rata.

Contei que nada de anormal, um papo gostoso. O senhor havia me dito que era cego de nascença, que havia decidido passear aquela tarde, pois fazia muito calor na casa dele de dois cômodos e teto baixo. Aproveitei o ensejo e contei-lhe sobre a viagem que eu havia feito no último final de semana.

— O senhor conhece a Serra de Cunha?

— Não.

— Ah, o senhor tem que ver! É uma serra linda. Muito verde, cascata d’ águas... - descrevi-lhe a carioca Parati, as flores selvagens, o carro que chacoalhava na serra...

Meu chefe me interrompeu (... Parecia que ia gargalhar...? Olhei bem, não, não ia).

— O senhor era cego de nascença! – gritou comigo como se estivesse me demitindo.

Meus olhos congelaram num ponto fixo, roí as unhas, anelei os cabelos com a ponta dos dedos, cocei o cotovelo, e respondi:

— E daí? ...Ele era deficiente visual e não mental, poderia imaginar o que descrevi, não, mesmo que nunca tenha visto, não?

Pausa. Meu chefe verteu a água da jarra, em cima de sua mesa, num copo. O telefone tocou, não atendeu, olhou através da janela, e deu um gole.

Olhei através da janela também. Pensamos juntos e mudos. A mesma equação poderia dar resultados diferentes.

Talvez fosse possível imaginar um mundo não igual ao que vemos, e sim “igual” ao que descrevemos. Ou não. Quem sabe não exista melhor nem pior, mas diferente. O melhor dos iguais, que venceria o concurso?

Uma placa caiu em minha cabeça. Nela, o já conhecido anexim: Pior cego é aquele que não quer enxergar. Ouvi o som do caça-níquel e vi as seguintes palavras escorregarem pelo painel: naturalidade, originalidade, simplicidade, desembaraço: substantivo feminino. E depois: palavra impensada, indiscreta, desastrada; indiscrição involuntária: substantivo feminino.

Espontaneidade e gafe, segundo o dicionário.

...Siamesas.  (FIM)

 

 

 

 

Nota: "O Melhor dos Iguais" é o título do LP da extinta banda  paulistana dos anos 80 “Premeditando o Breque”. A capa do long-player era uma foto de palitos de fósforos idênticos alinhados um ao lado do outro.