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Champanhe e literatura
va o lado fraco da corda. |
18/01/2007 -
Super gatos, galãs e gatos-gato!
Por: Viviane
Fuentes
Havia um gato cicerone dentro do apartamento onde
eu me hospedada. Seu nome era Aramis, Chartreux de nascença,
ele se preparava para a guerra enquanto uma das cidades mais
bela do mundo, despudorada, exibia as jóias luminosas de
Noel.
Dentro de mim, mornava uma guerra – e outra fora: a
batalha travada no teclado europeu, teclas com acentos
invertidos, letras trocadas, símbolos escondidos, o que
tornava o caminho mais longo.
Não
sabia se o texto era pra comer ou embrulhar e levar pra
casa.
A sala do apartamento parisiense - salvas a vista,
arquitetura barroca, e uma garrafa de champanhe gelando ao
natural a menos um grau centígrado na janela do vizinho,
poderia ser qualquer lugar do mundo.
Havia uma vista linda à minha frente: meu marido e,
dependendo do ponto de vista, se a vista dele fosse eu,
seria muito mais interessante, mas era o LCD de um laptop ou
o monitor de um PC – é, às vezes, os dois ao mesmo tempo.
A Torre Eiffel estava bem longe, quase fronteira
com o México, e nem o cheiro da pimenta eu sentia,
todavia saia um estranho odor da geladeira - o abrir e
fechar da porta sugeria camembert vencido (se é que isso
existe) no cardápio.
Em tempos de guerra, a comida é escassa e não dá
tempo para ela estragar, se isso acontecer é porque há
fartura e se há fartura não deveria haver guerra muito menos
fome. Mas na guerra, uns morrem de fome enquanto outros se
esbaldam... Paradoxal a teoria do queijo fedido.
O ar da capital francesa é agradável, mesmo a vendo
somente na tela da TV, sentado à mesa sem uma taça de
champanhe. Apenas sentir o calor das casas aquecidas e, ao
sair delas, aceitar o vento glacial tapear-lhe a cara com
luva de pelica.
Aproveitei a ocasião e tirei as luvas de minha mão
e as dei no rosto de meu marido, desafiando-o para um duelo.
Quem passaria mais tempo diante do computador numa cidade
que não víamos todo dia?
Queria apenas ver os amigos e curtir as coisas
simples da vida que não existem num país tropical: a nova
coleção de inverno de John Galliano e a de Thierry Mugler,
se ele não tivesse falido...
De qualquer maneira o Aramis não me deixou em paz,
descobri que a guerra para a qual ele se preparava me tomava
como inimigo do rei. Passei dois dias no apartamento sem
sair nem para comprar cigarro - também deixei de fumar –
tentando me defender a todo custo.
O Charteux dava saltos na velocidade de uma bala.
Bungee Jumping. De cima da geladeira para a poltrona. Da
poltrona para a mesa. Da mesa para o sofá. Do sofá para a
janela. Da janela para a minha cabeça. Ia e voltava da Lua
na velocidade do som. Nhauuuuuuuuuu. E uma unhada!
Enquanto eu engatilhava os teclados, digitando e
voltando sem parar, pelos erros habituais e pelos novos
cometidos, uma bola peluda, quase aveludada, me atingia com
espinhos finos e cortantes, garras que pousavam na minha mão
do ganha-pão. “Aramis! Minha nossa!!”
Sua dona não usava esmalte e, acredito que minhas
unhas vermelhas e pululantes no teclado o enlouqueciam. O
desafio estava colocado. Algo com que o Chartreux haveria de
lutar até o fim para defender seu país, a França, mesmo que
a raça fosse oriunda do Oriente Médio, da antiga Síria.
Eu dava pulos. De ódio e de susto. Da mesma maneira
que ele chegava, sumia. Tentava me concentrar com um olho no
gato e o outro no teclado, não preciso nem dizer a confusão
do texto – uma vez que não sei fazer duas coisas ao mesmo
tempo, estrabicava-me.
Sim, admirava a beleza de Aramis, mas a irritação
era maior. Queria colocá-lo na carrocinha ou prendê-lo numa
coleira elétrica. Queria escrever sobre um making off que
vi, anos atrás, com Audrey Tattoo (Amèlie Poulain) e Gerard
Lanvin (Meu homem). Impossível!
O tema do artigo que eu deveria terminar era
“Galãs”, o qual estava a uma unhada para se tornar “Gatos”,
mas não gatos na gíria e sim gatos-gato! Um super gato! ...A
propósito, dos três mosqueteiros qual era o mais gato?
Aramis? Porthos? Ou Athos?
Enfim, nas ruas parisienses, nos outdoors da
cidade, havia a inspiração: o rosto estampado dos gatíssimos
e atores Gerard Lanvin e Daniel Auteil - sim, temos galãs
suficientes no Brasil, mas acabamos nos acostumando a vê-los
todos os dias e em todas as mídias...
Afinal, o que eu entendia de galãs ou de gatos? Se
os cachorros enxergam em preto e branco, um gato como aquele
além de enxergar colorido, consegue discernir 21 tons de
acinzentado. Seria ele mais dotado de sabedoria do que eu,
uma bípede destra?
Talvez pudesse vender Aramis escondido dos donos,
um Chartreux custa E$ 1.200,00 em Paris. Ou talvez o
persuadisse com o espírito natalino. Dei-lhe um pedaço de
reblochon, ele recusou. Abri o laptop e voltei ao meu
artigo.
Nos bastidores do talk show, Tattoo se deparou com
Lanvin, era a primeira vez que ela encontrava o ator-galã
que se aproximou e a cumprimentou, elogiando a importância
de sua atuação em Amélie Poulain para o mundo.
Audrey Tattoo não disse uma palavra, sorriu,
mostrou suas covinhas de garotinha e, quando as mãos
entrelaçaram-se no cumprimento final, ela segurou a
tremedeira. Lanvin partiu. A atriz francesa acendeu um
cigarro, tremendo, como se fosse o após-amor e
suspirou:
— Ele é um gato!
Pronto, lá vem ele de novo! Aramis. Felino pirata
em treinamento nos 60m2 do apartamento no bairro de Puteaux.
Percebeu logo quem representava o lado fraco da corda - o
espadachim estava mais para navalha do que para esgrima.
Dormindo ou acordada, ele me atacava, tudo em mim
para ele significava “alvo”. E o guerreiro tinha apenas seis
meses de idade. Seguramente venceu a batalha ao término de
nosso Natal. Mas houve uma virada nessa história. Ele ainda
iria precisar de mim.
Meu parceiro, marido e protetor, percebendo minha
falta de tato e psicologia bichana, tomou Aramis em seu
colo, que assentou, tive trégua por longos 60 minutos e,
enquanto se deixava acariciar, não me lembrava onde tinha
parado no texto.
No dia anterior, passeamos pela cidade, para fazer
compras de natal. Nunca vi uma fila tão grande numa Fnac.
Tremi, Daniel Auteil e Gerard Lanvin, juntos! - ambos me
sorriram. Desmaiei. Quando recobrei os sentidos, Coucou! Não
estavam mais ali.
Ao voltar para ao apartamento, tarde da noite, eu
tinha uma idéia na ponta do lápis que não iria me escapar.
Tirei os sapatos e relaxei. Comecei a preparar nosso
sofá-cama. Mathieu encontrou Aramis dentro de nossa mala.
Continuei a fazer o que estava destinado.
Refletindo sobre os galãs no Brasil, o quanto a
beleza pode se tornar trivial, que as referências mudam de
cultura para cultura... Puf! Sou golpeada. Aramis pensa que
meus pés são novelos de lã, seu brinquedo em movimento, e me
espeta sem fazer danos. Grito! Perco o fio da meada.
“Miauuu”. Deitei-me, escondendo-me. Não que eu
tivesse medo de gato, mas sim do inesperado, daquilo que não
contamos quando estamos com o pensamento longe. Enrolei-me
em algo que parecia um saco de dormir. No sofá-cama, olho
para cima, estou acompanhada.
Aramis pulava nos quatro cantos do teto, a cada
momento aterrizava num lugar diferente. Eu via o momento em
que meus olhos seriam perfurados, todavia com as luzes
apagadas, ouvindo as unhas de Aramis contra a parede,
adormeci.
De manhã, com os olhos colando da remela, abro a
geladeira, o cheiro de chulé do queijo Reblochon se espalha
por todo o apartamento. Fecho a porta e viro-me.
Meus lábios são perfurados. Aramis surgiu sabe lá
Deus de onde, cravando as patas dianteiras neles e,
mistério, desaparece. Ninja mesmo. Pirata que luta, rouba e
não paga impostos. Passei o dedo na boca, ela sangrava, uma
gotinha só, mas sangrava.
Nem sequer estava de batom! Voltei à cena do ataque
para compreender. Conversava gesticulando com as mãos (falo
sempre com as mãos) e no momento do golpe, elas estavam na
frente de meus lábios. Aramis mirou minhas unhas, aquele dia
pintadas de laranja, e saltou.
Estava desolada. Meu progresso no teclado europeu
era nulo. A inspiração sobre “galãs” não era conclusiva, mas
no meio da tarde, decidimos ir ao cinema. No elenco, vários
galãs. O gato do Gael Garcia Bernal e o Brad Pitt que, sem
maquiagem, fica realmente uma coisa!
Ao sair da sala de cinema, soco no estômago.
Digerindo as três histórias do filme que se passa em quatro
países distintos, fazia-me refletir o quanto o ser humano
está incapacitado de compreender ao outro e o quanto isso é
recorrente junto ao peso da culpa. Babel.
Não entendia Aramis e estava deixando de entender a
mim mesma. Ele era apenas um gato de meia-dúzia de meses
que, segundo a história, chegou à França junto com os
cavaleiros que regressavam das Cruzadas.
Estava explicado o comportamento do gato de
descendência guerreira. Mas não estava explicada a
predileção dele a mim. nem Alexandre Dumas nem Richelieu.
Mas me precipitei. Aramis estava para estabelecer uma
relação de carinho e confiança - características da raça.
Na auto-estrada, na frente dentro do carro, Aramis,
numa cesta no colo de sua dona, não parava de miar. Claro,
sempre era ele que estava em movimento e agora não, era o
carro. A paisagem atravessa sua íris e não vice-versa.
Na parte detrás do carro, encostada na janela,
decidi colocá-lo em meus braços, sem apertá-lo. Seu coração
parecia saltar através do pêlo cinza. Ajeitei-o de maneira a
olhar para fora do carro e em alguns minutos, dotada de
paciência, ele parou de miar e seu coração brandou.
Lembrei-me que em Paris não pude ajoelhar-me na
frente da nova coleção do Galliano, não vi as vitrines de
grifes famosas, não conclui meu artigo e Auteil e Lanvin não
sorriram para mim nem sequer estavam na Fnac.
Mas quem se importa? Era Natal! (FIM)
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