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Cães dóceis, vizinhos raivosos
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18/06/2007 - Cães dóceis, vizinhos raivosos Por:
Viviane Fuentes
Poderia citar uma série de placas que vi no decorrer desses
anos no bairro em que moro. No passeio diário e matinal com
meu cão, já li mensagens, não sei se dirigidas a mim ou a
ele, em tons variados, polidos, grosseiros, controladores.
“Seja educado, recolha o cocô do seu cachorro”. “Sr. Cão,
não deixe seu dono fazer merda em minha árvore”. "Quem
avisa, amigo é: não deixe seu cachorro defecar na minha
calçada”. “Elimine os cães e seus dejetos do mundo”.
Afinal, para que servem estas placas? Para educar ou
controlar a vida de quem passa pelas calçadas? Mas a calçada
é pública e, em certas estações, são as baratas que as
administra. Homem ou animal fazem pipi nelas, e as folhas
varrem, e a chuva leva.
Reivindicaram leis para os nossos pets – provavelmente
aqueles que não os têm - lei de focinheira, leia da guia,
lei da denúncia. Cidadania: tirania aos donos de animais.
Leis para a falta de educação e bom senso do cidadão.
Para os vizinhos raivosos, não importa se existe exceção. É
melhor prender, afugentar, tudo aquilo que incomoda e
amedronta, assim, tem-se a falsa sensação de segurança. O
que precisamos é de referência espontânea para nos espelhar.
Quem faz a educação são os exemplos, somos nós, não as leis.
Aos quatro meses de idade do meu cão, quando comecei a
passear com ele, usei do bom senso. Levar saquinho e limpar
o cocô dele.
Elogiavam-me ao ver tal atitude - na época, donos de
cachorros não faziam isso, mas apenas de verem meu
comportamento, imitaram a correta referência. Para ter um
pet é necessário responsabilidade.
Às vezes precisamos apenas que nos sinalizem. Sem julgar ou
prejulgar. Já ocorreu de pessoas, principalmente os idosos,
brigarem comigo e judiarem do meu cão sem termos feito nada
- premeditavam o delito que (não) cometeríamos.
Para a mente doentia, sádica ou masoquista, existe lei? Para
os velhos gagás existe focinheira quando eles cospem suas
frustrações em quem não tem nada a ver o pato, e sim com o
cachorro? Ou guia que os amarrem na beira da cama?
Brigar com um cão que não tem como se defender virou
ginástica matinal da Melhor Idade no meu bairro, ela alivia
o estresse no transeunte. Vou gritar ao mundo "Eu juro, meu
cão e eu somos inocentes, e acabamos de acordar".
Perambulo com o cão sem guia por calçadas residenciais e
ruas e que não têm muito fluxo de carro ou pedestres. Há dez
anos o faço. Não projeto nelas uma prisão para o mundo, para
mim ou para os animais. Afinal, meu cão é adestrado.
Tanto como o escritor no mundo e, ambos, adoram sarjeta,
Bukowski é popular nos arrabaldes, sempre dizem que ele é
educado e metido, pois me obedece e não dá a mínima para
ninguém, só quer saber de cheirar, levantar a coxa e
esguichar.
Quem se encontra na rua, na banca ou padaria não sabe meu
nome, nem me reconhecem quando estou sem o cão. Mas
reconhecem o Labrador amarelo, dócil e indefeso, que faz
aquele mesmo caminho há anos.
Essa raça vive para seu dono; guia cegos; reconhece drogas,
câncer; assisti aos bombeiros, salva vidas e, ainda assim,
Bukowski já foi atacado por poodle recém-chegado do pet-shop
e por vassouras de velhinhas - todos com guias e
focinheiras.
Mundo injusto. Eram 7 e meia da manhã e, enquanto Bukowski
cheirava uma árvore numa encruzilhada, uma senhora, em
sua caminhada matinal, se deparou conosco - teve zelo ao
passar pelo cão, parecia um urso que ali estava.
Trouxe o cachorro comigo e disse "Senhora, ele é manso". E
fui para colocar a guia para que se sentisse segura. Não
bastou. Colocou-me num tribunal e fez a acusação enquanto os
passarinhos gorjeavam sob os raios de sol mornos e tocáveis.
“Tem que andar com a guia, é lei” "Sim, senhora, eu estou
com a guia!" "Mas não no cão". Em questão de milésimo de
segundo, um clique, a guia estava encaixada na coleira e o
cão que, com aquele olhar caído, se perguntava "por que
paramos?".
Contra o medo, a insegurança e a arrogância humana, existe
lei? Nem todo brasileiro no exterior é puta, mão de obra ou
bandido. Mas ainda assim será que os outros países devem
fazer uma lei pare ele nesta situação?
A mulher com pele brilhante do creme anti-idade, em tom de
discussão filosófica, em sua própria hora de lazer,
arremessou-me um olhar insano. A onça pintada, adormecida
dentro de mim, unhou a face gordurosa do ser árido à minha
frente.
Voltei a mim, ser humana, e disse educadamente "Meu cão não
causa perigo nenhum. O máximo que pode acontecer é alguém
como a senhora nos atacar... A propósito, existe alguma lei
que a obrigue fazer terapia por causa do seu medo de cães?".
Num silêncio absoluto - até os pássaros consentiram – saí, e
refletindo “Não serei conivente com a democracia do medo.
Continuarei a passear com meu cão dócil e sem guia, nas
manhãs ensolaradas ou mesmo nubladas – tenho certeza, os
vizinhos estão salvos”. (FIM)
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