12/12/2006 - Yerma do Agreste
Por: Viviane
Fuentes
O mundo está grávido e eu sou a mártir
Yerma, não a da literatura espanhola, canção sevilhana de
Lorca, mas sim a Yerma de um país tropical, do sertão do
Nordeste. Me encontro seca. Dura. E todas as minhas amigas
estão grávidas.
Só de pensar na grana que temos que gastar
(e que não gasto) em chás de bebê, dá desânimo. Estou
falida. É imperativo, não é opcional. Tem que dar presente.
Tem que ser condescendente com barrigas estufadads de ser.
Vou montar uma barraquinha na loja Alô
Neném, fazer animação pras crianças, e tirar um troco. Todas
as futuras mamães fazem a lista do tal chá lá. Chá é para
beber e não para bebê. O inferno fica na Alô Neném e no
sábado. Cogumelo pra todo mundo!
Filas enormes, um monte de crianças nos
carrinhos de bebê e outras ainda por vir. Cheiro de leite
com vômito. Para comprar duas fraldas e uma chupeta... Uma
eternidade. O preço, duas vezes mais do que em lugares sem
“grife”.
Alô Neném!
... Nem o quê? Alô Neném! Vocês fazem chupeta?
Não, nós vendemos... ...Mesmo? Mas chupeta não é aquilo
que deveríamos fazer todos os dias em nossos maridos, e de
graça?! Tum, tum, tum...
Amigas, vamos encher a cara e dar risada e
falar nada com nada! Vamos transar mais e se preocupar menos
com o tal dia fértil. Gastar dinheiro com a pinga e a
amizade sincera. E parem de colocar crianças no forno.
O que eu tenho a ver se você engravidou? –
é o que às vezes gostaria de perguntar. Não sou pai, nem
parte da família, por que tenho a obrigação de comprar
fraldas? Vou comprar absorventes para mim. E camisinhas para
vocês.
Tudo começa com um convite simpático e
ingênuo de uma das amigas da mãe. Mas se titubear e mostrar
que não irá comparecer nem levar o tal presentinho, o
sindicato das mães amigas te rechaça.
E o laudo de uma mulher casada que ainda
não tem filhos é “Ela é recalcada” “Tem inveja por todas
estarem plenas e completas e ela não” “É infértil,
pobrezinha, por isso é frustrada”.
(Alguém se lembra das Irmãs Cajazeiras de
“O Bem Amado"?)
Esses chás que de inglês não tem nada e
muito menos o próprio chá dito, fazem com que todas se
reúnam em dado momento para abrir os presentes, um a um, e
dizer quem deu o quê...
Batem palminhas e soltam suspiros:
“oooooooooooooh” - subtexto: que lindo esse presente
caro! quem “fui eu” que dei?
Ninguém no mundo deveria ter a obrigação
de dar algo a alguém, e sim o prazer de compartilhar,
escolher uma lembrança especial e útil como presente, se
quiser, se houver grana e inspiração.
Já reparou em aniversário de criança? Os
parentes compram presentes caros, por causa do status social
que isso possa dar a eles perante os outros convidados. E
não pela criança. Observem. Depois me respondam.
Certa vez uma amiga fez referência à frase
de um filósofo, acho que Descartes, que generosidade é
quando seu copo está cheio e você o divide. Ou seja, você dá
quando tem o que dar. Também não adianta dividir sua miséria
com os outros.
Já repararam que andarilho não tem
mesquinharia, quanto mais pobre, mais divide o que tem?
Certa vez (es), meu cão, que é viciado em farinha, numa das
nossas caminhadas matinais pelo bairro, surrupiou pão da mão
de um andarilho.
Morri de vergonha, pedi desculpas. E o
pior, não tinha grana na hora para comprar e repor o pão.
Sabe o andarilho que me respondeu, e sorrindo? “Tudo bem, se
eu tivesse mais daria outro pra ele”.
Outra amiga disse: A classe baixa não
pára de ter filhos, e cada vez mais aumenta a proporção de
pobres no Brasil. A classe média deveria reagir.
Para quê, para que a distribuição de classes seja igual?
Bom, enfim, não sei como, mas parece que
todas as outras amigas a ouviram e levaram ao pé da letra.
Embucharam.
Hoje em dia estar grávida é super “in and
cool” “cool and gang”. O episódio é de grande honra,
significa que você tem um homem e não faz parte daquela
“maioria” que foi tema da capa de uma revista há alguns
meses.
O título previa um futuro certo para
mulheres acima dos 35 “Acabou homem no Brasil. Quem não tem,
vai ficar sem”. A maioria das minhas amigas está nessa faixa
etária e tem seus bofes, e as que não têm, salvo uma ou
outra, é por opção.
Na hora em que folhei a tal revista, eu
estava numa pizzaria moderna, num domingo pós-cinema. Olhei
ao redor. Só tinha homem! Tudo bem, eram todos gays. Mas e
daí? São homens!
Me senti milionária num mundo miserável.
Num país que “faltam homens” para as mulheres, sou rainha -
pensei. Olhei o meu bofe com empáfia e carinho. Todavia
coloquei-o num canto da pizzaria. Milhares de olhos já o
cobriam.
Não entendi a matéria (também li só o
título).
Não é homem que falta no mundo. Falta é
mulher centrada, que sabe o que quer. Parece que as
solteiras querem tudo ao mesmo tempo e muito mais, a
perfeição. Corpo escultural, sucesso profissional,
reprodutores intelectuais, marido com senso de administrador
do lar...
Se eu fosse o público-alvo da matéria, me
suicidaria no dia seguinte. Tudo bem, tenho o meu homem que,
mesmo na alegria e na tristeza, diversão e companheirismo,
passamos longe da perfeição, nossas perspectivas são
humanas, são reais.
Quem usa, cuida... Como assim falta homem?
Será que a questão é descobrir o motivo que os leva cada vez
mais a perder a inclinação para as mulheres. Será que falta
mulher solteira interessante no Brasil?
Que a ciência segure muito tempo a
possibilidade da gravidez no homem, porque quando isso for
possível, aí eu tombo. Já pensou? Além das mulheres, meus
amigos grávidos também, e antes de mim?
Minhas amigas estão embuchadas. As que não
estão é porque acabaram de parir. E as que acabaram de
parir, estão engravidando de novo! O mundo está prenho.
Justamente na hora em que eu também queria
engravidar. Desse jeito não dá para ser original, não tem
nenhuma exclusividade.
Nem pensar que, um dia, eu com a minha
linda barriga, terei que dividir a atenção com as outras. E
“rasgar”, surtada dos hormônios, esse Pseu.
Parece que perdemos o assunto, e para que
a turma se una se reinvente e dê um novo sentido à vida, nos
demos um novo tema, na qual todas podem dissertar. A
gravidez.
Às vezes, saem só as esposas. O que é
legal, papo jogado para o ar, a gente paquera, e muito
saudável e divertido, ou seja, era.
Na mesa de bar tem criança, no churrasco
tem criança, só falta ter criança no cinema, assistindo aos
filmes do David Lynch numa sessão especial, em discussões
inflamadas de choro.
E, atenção! O sindicato das mães não
perdoa e tem plantão. Julgam as outras mães por causa da
maneira errada de educar. Como se não bastasse ter um
recém-nascido que terá uma vida inteira para ser educado,
querem educar o recém-nascidos das outras.
O sindicato é implacável, te difama para
toda a turma e ainda decide em votos, quem irá a aconselhar
às mães equivocadas... E se eu continuar o Pseu nesse tom,
não vou poder passar o reveillon com a comunidade.
Será que é o mesmo garanhão que anda
fertilizando todas as minhas amigas??? Quanto a mim, fechei
a lojinha de óvulos. Talvez espere por mais um ano, para
aproveitar as roupinhas e móveis das queridas pandulhas.
Todo mundo engravidando. As que queriam e
as que não queriam, engravidaram. As que tinham ovário
policístico, engravidaram. As que se calaram, engravidaram.
Até Maria que era virgem engravidou.
Deveria eu ser goleiro para pegar mais
firme na bola. E não tentar chutar aquilo que não acerto. E
isso que dá ter amigas da mesma idade, na faixa dos 35. É a
geração das mulheres racionais e informadas.
Por que só eu que não engravido?! Eu,
Yerma do Agreste? (a dor no cotovelo coça tanto que parece
sarna) Meus óvulos gritam, quase como um despertador “estou
envelhecendo, estou envelhecendo” em ritmo de coucou.
Será que existe o Tecle Neném. Vou ligar lá e
comprar um, será que eles entregam? (FIM)
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