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lados é que se vai!
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23/08/2007 - O catador de papelão e a marvada pinga: pros
lados é que se vai!
Por: Viviane
Fuentes
Meu vizinho é um andarilho, mas não um andarilho
qualquer, um trabalhador. Magrelo e musculoso, carrega um
carrinho de madeira de duas rodas, cheio de papelão.
Como num ritual, ele começa logo cedo a labuta diária.
O conheço há 6 anos, e cada brasileiro o conhece. 25 ou 50
anos? Não saberia dizer sua idade.
Pele flácida nos braços e enrugada no rosto devido à
exposição à poluição das marginais e ao sol sem protetor
solar - parece bacalhau na secura, porém com fibras mais
escuras.
Não sei para onde leva o papelão e o lixo não mais
usado pelos que vivem em casas de cimento, salubres,
alugadas ou compradas - a dele foi adquirida.
Mas sei onde desova objetos pesados, como
ferramentas, de alto valor para ele: sua casa: uma
carrocinha de madeira, recoberta de papelão e alumínio.
Sem rodas, sua residência não é móvel, fica numa rua
sem muito fluxo de carros. Ele tem esposa. Sem aliança,
magrela e musculosa, negra, vaidosa e bem precavida.
Enquanto cambaleia ébrio, ela grita " Eu vi você
olhando as negas!". É curioso a crise de ciúmes recorrente e
intensa que tem pelo marido - de fora, não se dá nada por
ele.
Antigamente, o ajudava a carregar a carroça e a catar
o papelão. Hoje, mais asseada que antes, bem arrumada,
cabelo, roupa, unha, parece ter arrumado trabalho
registrado.
São visto juntos, morando juntos, dormindo juntos. O
ciúme e a braveza dela continuam os mesmos. Gritando e, às
vezes, o esbofeteando.
Ao contrário da genética da esposa, a pele do marido
acelerou o processo de definhamento nos últimos meses,
parece quase rasgada, mas ele mantém o ar dócil como o de um
labrador.
Mas algo mudou. Antes tinha o olhar adiante, como um
objetivo a caçar, a alcançar, não se fazia causar pena.
Agora sua íris vaga, não tem prumo, não tem brio.
É visto embriagado com mais freqüência e novos amigos.
Manhã ou noite ou dia. Em anos, nunca pediu dinheiro
por levar os reciclados, mas recentemente isso mudou.
Precisa de moedas para pagar a pinga e convidar os
amigos, uma rodada de 51, Drurys ou rabo-de-galo. Para ter
assunto e inflamar a discussão é preciso ter a dita, a
marvada.
O álcool não lhe causa indigestão. Também qual será o
outro prazer nessa vida? TV não tem. Sexo? Parece que muito
- deve ser por isso a esposa é tão ciumenta - mas o quê
mais?
Por que parar de beber seu formol existencial? Não faz
sentido abdicar do prazer que a pinga proporciona. Optar a
tragar a água filtrada que não tem em sua carroça, pra quê?
Ele é, certamente, um desses casos que nasceu do
acaso, cachorro abandonado, no meio do mato e de uma grande
ninhada - alguns morreram, outros sobreviveram.
Se vira como pode e não é violento ou amargo. Afinal
qual é sua perspectiva de vida? Morrer e começar de novo.
Ele é feliz? Por alguns instantes, parece que sim!
Nem sempre quem paga IPTU, precisa sair do país para,
quando voltar do 1º Mundo, ter um grande choque. Não podemos
ignorar, a felicidade não é plena para ninguém, existem
lapsos de alegria.
Não temos que dar migalhas para quem nasceu em antro
sem amor, sem comida, sem remédio, sem cosmético, produtos
de higiene pessoal ou limpeza, e sim condições.
Auxiliar e proporcionar vitamina, gordura (boa ou
ruim, a ruim ajuda no inverno), chão, teto, comida, lápis,
papel, água. Condições de melhora, de mudança. Esperança.
Tudo na medida certa, nem mais nem menos. E nada de esmola!
Comida, remédios, seguro de vida. Produtos de limpeza,
cosméticos e um pouco de álcool não faz mal a ninguém - o
brasileiro cambaleia, tomba, levanta e começa tudo outra
vez.
Que venham condições mais
dignas ao meu vizinho e que, em seu cotidiano pesado e
difícil, nunca falte alegria, mulher, amigos e, é claro, um
trago!
Não é aqui que pros lados é que se vai, nem pra frente
nem pra trás? ...Vem-me aos ouvidos a voz de Inezita Barroso
a cantar “A Marvada Pinga” e me estrebucho de rir:
(FIM)
Marvada Pinga
Inezita Barroso/Composição: Ochelsis
Laureano
Com a marvada pinga
É que eu me atrapaio
Eu entro na venda e já dou meu taio
Pego no copo e dali não saio
Ali memo eu bebo
Ali memo eu caio
Só pra carregar é que eu dô trabaio
Oi lá
Venho da cidade e ja venho cantando
Trago um garrafão que venho chupando
Venho pros caminho, venho tropicando, xifrando os barranco,
venho cambetiando
E no lugar que eu caio já fico roncando
Oi lá
O marido me disse, ele me falou: "largue de beber, peço por
favor"
Prosa de homem nunca dei valor
Bebo com o sol quente pra esfriar o calor
E bebo de noite é pra fazer suador
Cada vez que eu caio, caio diferente
Ameaço pra trás e caio pra frente, caio devagar, caio de
repente, vo de corrupio, vo diretamente
Mas sendo de pinga, eu caio contente
Oi lá
Pego o garrafão e já balanceio que é pra mode vê se tá mesmo
cheio
Não bebo de vez porque acho feio
No primeiro golpe chego até o meio
No segundo trago é que eu desvazeio
Oi lá
Eu bebo da pinga porque gosto dela
Eu bebo da branca, bebo da amarela
Bebo nos copo, bebo na tijela
Bebo temperada com cravo e canela
Seja qualquer tempo, vai pinga na guela
Ê marvada pinga!
Eu fui numa festa no Rio Tietê
Eu lá fui chegando no amanhecer
Já me deram pinga pra mim beber
Já me deram pinga pra mim beber e tava sem ferver
Eu bebi demais e fiquei mamada
Eu cai no chão e fiquei deitada
Ai eu fui pra casa de braço dado
Ai de braço dado, ai com dois soldados
Ai muito obrigado |
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