08/11/2006 - Bulímica
é a madrasta!
Por: Viviane
Fuentes
Gastei uma tarde inteira, listando
possibilidades que me fizeram engordar enquanto eu mesma
fazia a unha do pé e da mão, esperando o esmalte secar - é
claro tomando muito cuidado para a caneta não riscar o
verniz.
Surgiram algumas revelações, fatos
concretos e divagações - alguma coisa deve ser o real motivo
para minha calça jeans favorita não fechar o zíper e meu
único tailleur ter perdido os botões:
1.
Terei eu a mesma doença do meu ídolo de
infância, Jerry Lewis, a rara distrofia muscular?
2.
Cruzar os 35 anos é mesmo uma ida sem volta?
Fácil engordar, impossível emagrecer?
3.
Posso estar grávida e não gorda... (quando foi
a última vez que menstruei?)
4.
A culpa é do uso contínuo da calça de cintura
baixa que, com o tempo, alarga os pneus e nem notamos porque
as gorduras estão acima do corte desse modelo de calça?
5.
Existe algo muito além do entre quadril e
cintura que a nossa vã ignorância possa explicar?
6.
Computador versos cadeira versos 12 horas por
dia sentada...
7.
Esperma engorda?
8.
O destino quer que eu abra uma borracharia no
bairro (mas de pneu de moto ou trator?)
9.
O que eu tenho ao redor da cintura não é
gordura, é massa muscular ganha com pilates e yoga??
10.
Terei eu uma visão destorcida de mim mesma?
11.
...
12.
...
13.
?
14.
.
15.
...
16.
Carambola, borrei o esmalte!
Estou enlouquecendo! Tenho que detectar a causa
dessas gorduras a mais para corrigir o erro. Já tomei
algumas precauções - por enquanto só uma - tirei o excesso
de doce da minha dieta (mas não definitivamente de minha
vida...).
A última vez que subi numa balança,
carregava comigo um quilo a mais de mim mesma. Há dois anos
não me peso. Por medo. Dizem que gordura não pesa, só faz
volume.
É sempre assim, quando me convenço que o
importante é estar bem comigo mesma, ser feliz, e desencanar
de perder dois quilos, sabe o que acontece?
Engordo.
A vida toda, fui perseguida por meu
estômago e abdômen. A maioria dos conhecidos diz que não
tenho barriga. Claro que tenho! Não sou cega.
Gordura sobe para a cabeça?
O que eles não entendem é que o meu ideal
de barriga é tábua. E a questão nem é tão estética,
me sinto desconfortável comigo mesma... Entende? E é tão
pouco o que tenho que perder!
Nunca fui tábua, nem quando
criança, e por alguns motivos: Meu avô, meu tio e a
macarronada minha avó. (eu sei é acaipirado falar
“macarronada”, hoje em dia é “pasta”, mas o que minha avó
fazia era “macarronada”!)... Enfim, ansiava em ser como os
homens da minha família e comia pratos-montanha iguais aos
deles! Principalmente a macarronada... No final, gulosa como
quê, sofria de dores de estômago e vomitava tudo que havia
ingerido.
Mesmo bulímica, lá estava o
“assanhamento”, as fotos não me deixam mentir, meus gambitos
elegantes e a barriga deselegante - devo ter uma lombriga
criada, domesticada e tratada a pão-de-ló desde então.
Na época, o médico de família constatou o
meu problema, me faltavam enzimas importantes para a
digestão.
Enzima. Será esse o nome para aqueles que
têm olhos maiores do que a barriga? E por que então a
barriga não é menor do que os olhos? Tudo é uma questão de
ver com os olhos e lamber com a testa?
Não sei, difícil saber. De qualquer forma,
quando criança eu tinha outras preocupações do que
apavorar-me com a altura do meu abdômen. Agora não me
lembro, mas tinha.
Esmalte seco, unhas impecáveis, terminada
de fazer minha lista de "possibilidades", ingeri alguns
Passiflorines (calmante natural a base de maracujá que tomo
quando estou agitada ou próxima daqueles dias) e
encorajei-me.
Respirei fundo, e fui ao álbum. Fotos de
três anos atrás. Lá estava eu. De biquíni em Camburi. De
maiô, na piscina de parentes. De top e calça
bailarina num domingo na casa de amigos. Com canga no
sítio...
...Engraçado, eu não tinha barriga, não
era tábua, mas... Quer dizer então que o exagero
virou verdade? A vingança tarda, mas não falha. Ainda bem
que estou calma. Sofro do mal de distorção, visão destorcida
de mim mesma.
Esse Passiflorine funciona - quero dizer
esses - ele transformou ansiedade em melodia, tédio
em calmaria, então é por isso que o silêncio tomou conta da
língua dos meus amigos. Mudou a postura deles. Mudou minha
postura.
Verdade é ciência. Voltei a reclamar nos
últimos meses dos meus quilos a mais (a balança continua na
mesma - mas gordura não pesa!!) e ninguém contestou.
As pessoas nos vêem diferente do que
quando nos vemos no reflexo do espelho, explicam
especialistas. Nem tanto ao céu nem tanto a terra. Algo no
cristal deve ser verdade bruta. Não sou um espelho sem aço.
Tenho pneus e não estou sozinha, e pior,
não estou tolerante... Meu, isso parece papo de Balzaca!
(tenho percebido que os temas do Pseu do Blog são de uma
mulher balzaca, por que será?)
O que aconteceu, Pseu? Não, não foi a
máquina de lavar que encolheu minhas roupas. O quê? Vou ter
que parar de ingerir Corneto, dia sim, dia, não? Ai, Pseu,
Pseu!
... Lembrei-me de um importante detalhe, a
dermatologista me disse que o meu nível de insulina está
baixo. Disse-me que o remédio que me medicaria, tiraria o
apetite um pouquinho só.
Quase chorei quando ela terminou de
prescrever a receita. Era tudo o que eu precisava, que
alguém me controlasse, detivesse minha fome e revertesse a
minha ansiedade. Ao chegar em casa, encarei-me nua, de
frente ao espelho:
— Espelho, espelho meu, quantos anos tenho
eu?
— 35.
—... Quantos?
— 35.
— Mas por que não me disse antes!
— Você não perguntou.
— Pensei que tinha 20... Quanto peso eu?
— 48,5 kg.
— Quantos metros tenho eu?
— 1 m 57 cm.
— (é impossível alguém ser obeso com essas
medidas...)
— Gordura não pesa...
—...
Lembrei-me de Kate Moss. Não porque me
ache parecida com ela, passou longe, mas será que Moss
poderia ser uma inspiração para um personagem dos Irmãos
Grimm?
Por que Kate é magra e eu não? Não deve
ser fácil ser Kate e ter que ser sempre bela, sempre magra,
sempre triste. Eu poderia querer ser como ela, mas encararia
ter a vida dela?
Afinal qual é o retrato social e atual
feminino? Mulheres obcecadas em faca e agulha. Adolescentes
bulímicas ou viciadas em diuréticos. Balzaquianas tiranas a
favor da magreza. Mães que querem ser suas próprias filhas,
ter o corpo delas...
Grimm. Grimm. Grimm. Baseado em um de seus
contos, me ocorreu a idéia do seguinte diálogo contemporâneo
entre a Madrasta da Branca de Neve e o Espelho Mágico:
— Espelho, espelho meu, existe alguém mais
bonita do que eu?
— A pergunta não é essa.
— Espelho, espelho meu, existe alguém mais
MAGRA do que eu?
— Sim, minha cara, existe.
— Quem? – pergunta preocupada a madrasta,
sem enrugar a testa (aplicara botox no mês passado).
Depois de um longo silêncio e, finalmente,
o Espelho responde:
— Kate Moss, a Bela.
Indignada, a Madrasta esquece da Branca de
Neve, de formas rechonchudas e bochechas rosadas, e se
empenha a assemelhar-se a tal modelo.
Meses depois, de frente ao espelho,
pergunta:
— Espelho, espelho meu, existe alguém mais
magra do que eu?
Ouve-se a longa gargalhada do espelho.
— Você consegue se ver em mim? – pergunta o
Espelho Mágico.
A Madrasta se mira no espelho, marcado por
vestígios de longas carreiras de cocaína, o aço não
perdurou, e se depara com o estado lastimável, insalubre, do
seu castelo.
Vômito para todo o lado. Caixas de remédio
tarja preta. Lâminas de barbear com restos de melecas
esbranquiçadas.
Voltando-se para o espelho, e mesmo sem se
ver refletida nele, a Madrasta crê-se gorda, enorme. Seu
prumo esvaiu, nem se lembra mais que, um dia, sua razão de
viver foi matar Branca de Neve (ou mesmo, ser magra como
Kate Moss).
O que ela não sabe é que Kate já nasceu
magra, e que ela é do tipo de mulher mais encorpada, menos
menina, e que não tem como alterar o próprio DNA (ainda),
nem com magia.
Em seu ostracismo anoréxico, a Madrasta
nem soube que Kate, a Bela, de tão bela, trocou a
alimentação por cocaína, água por champanhe, para manter-se
esbelta e esguia. E quase findou sua “carreira”, por causa
de um escândalo reincidente - o vício em drogas pesadas,
quebrou em cacos sua imagem (temporariamente apenas).
Príncipe Depp, ex-namorado da Bela, astro
de cinema, ao saber do triste ocorrido, a presenteou com um
espelho de corpo inteiro e no cartão escreveu algo mais ou
menos assim: ...Para que se olhe de frente.
Para que se encare de frente.
É claro, piadas foram criadas em torno do
gesto galanteador e poético do príncipe. O fato de o consumo
de cocaína ter aumentado, o tamanho da bandeja da para
esticar carreiras da modelo também. Porque espelho é modelo
a ser seguido.
Há cinco anos, não tenho espelho de corpo
inteiro em minha casa. Nem ganhei um. Muito menos do Depp.
Mas não serei conivente ao afinamento do ser, e me
inspirarei em seu gesto.
Comprarei um espelho de corpo inteiro.
Aceitarei minha própria natureza. Espelhos são feitos de
aço, de cristal, e eu jamais serei Kate Moss por um simples
motivo: eu não sou ela. (FIM) |