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lado fraco da corda. |
07/02/2007 -
Quem é a irmã bastarda?
Por: Viviane
Fuentes
Minha mãe, sua irmã mais nova, minha tia mais velha, a
irmã do meio e os pais dela, míopes. As filhas da minha
mãe, a vizinha, o irmão dela, míopes. Se existisse um grau
mais agudo de miopia, certamente minha seria o de meus
parentes, tríopes.
Toda a minha família materna
enxerga mal. Esse é o veredicto. Nasceram com problema de
vista e, com o tempo,
viriam a usar óculos. E, com um pouco mais de tempo, substituiriam os óculos
pelas lentes até que, por fim, com a chegada da modernidade,
nada usar, graças a operação a laser
Rostos nus, retinas descobertas, sem gel, sem
cápsulas, soro fisiológico, saliva, apenas a íris,
sobrancelha sem marca e sombra de dúvidas, o olhar de volta, apertado e natural,
assim como veio a Terra.
Independente da Lua, quando crianças,
minhas irmãs queriam descobrir qual das três era de
Marte, ou seja, quem de nós seria a irmã adotada. Por pura crueldade e pelo poder da
humilhação encontraríamos a alienígena entre nós.
Minha irmã mais nova era a única de olhos verdes. Nem
o pai nem a mãe tinham olhos claros. Mas ao olhar para a avó
paterna, a teoria caia abaixo. A mais velha, era corcunda,
talvez fosse filha dos avós e não dos pais. Quanto a mim...
Não existiam teorias bem fundamentadas, todos os
amigos e parentes afirmavam que eu era mezzo-a-mezzo, pai e
mãe, fifty-fifty, por isso não conseguiam fazer nenhuma hap de
mim, pelo menos nesta questão, mas apelavam.
Diziam que eu era macho,
quanto apelo! Só porque eu gostava de usar calça bem abaixo
da cintura, igual os mecânicos da cidade , que mostrava o
rego, e porque achava um charme o braço de minha prima ser
peludo. Quanto apelo!!
De fato, as irmãs nunca concluíram nada, porém, com todas as
conjeturas levantadas, na época, poderiam montar uma loja de
suposições e vendê-las por uma vida inteira, enriquecendo o
capítulo da novela “Quem é a irmã bastarda?”.
Mas o mistério pairou no
decorrer do tempo. Por que eu era a única entre nós que
crescia e o problema de vista não vinha seguido de garrafões
no rosto? Por que não me caracterizava feito a dinastia da
família quatro-olhos?
A pulga era lançada atrás
da orelha.
Jamais tive problema de vista ou astigmatismo.
Estrabismo só de alma. Enxergava de perto, de longe e além,
muito além, tal qual minha mãe, que fingia ser mais cega do
que era, muito mais.
Seria eu a filha bastarda, então?
E o pior, adquiri assim uma anomalia no decorrer do tempo.
Ninguém na família de minha mãe tinha problema de surdez,
até aquele momento. Nem a do meu pai - pelo menos a parte
que se conhecia.
O fato é que minhas irmãs, solucionariam
seus problemas genéticos, uma com balé clássico e a outra
com lentes coloridas e eu não. Talvez não fosse a terapia que resolveria
meu dilema, e sim um bisturi.
Aos 29 anos, já colecionava duas perfurações
adquiridas, uma em cada tímpano: a do direito, por acreditar
ser um lambari quando imergia na represa, a água entrava no ouvido e o infeccionava; a do
esquerdo, causado por mergulho de cilindro na caça aos
tubarões.
No ano 2000, foi comprovado por especialistas de
otorrinolaringologia que as crianças que tiveram
traumatismos recorrentes no tímpano durante a infância
poderiam ter seu sistema neuro-central afetado.
O que isso significa? Em rápidas linhas, uma tendência
à pessoa passar muito tempo em seu próprio mundo,
desconectar-se, eventualmente, do ambiente onde está e a das
pessoas com quem convive.
Depois de fazer a timpanoplastia aos 10 anos de idade, fiz a
segunda aos 34 - ambos os tímpanos ficaram livres para eu
mergulhar de cabeça na piscina, mar ou no chuveiro... Mas
a audição não voltou. O que surdou, surdou
mesmo.
Solução do século XX: nada de aparelhos auditivos
Telex e sim micro caixas de som
Bang & Olufsen - essa é a promessa de tecnologia dos novos aparelhos, não a
verdade e muito menos a marca citada acima (ela é meramente
ilustrativa).
Máfia branca. Fonoaudiólogas tornam-se vendedores. Tentam
vender o peixe. Nada contra o profissional ganhar sua
comissão, mas tem que estar apto a profissão pela qual se
formou e exerce, e não ser apenas um vendedor.
Prometem um aparelho que é a cara metade do seu canal
auditivo e que irá se ajustar as suas necessidades. Só que
eles não sabem ajustar "as suas necessidades". Não incluo toda a classe,
tomo como referência
aqueles que me atenderam.
A primeira vez que se coloca o aparelho, que é moldado
dentro de sua orelha, surge uma microfonia ensurdecedora.
Mas ele é "eqüalizado" e colocado no canal
auditivo. a partir de então, o tímpano ouve sons nunca ouvidos.
Ouve o vizinho fazer pum. O vira-lata da esquina a cavar o
asfalto para enterrar o osso. Os
passos das formigas e ao mesmo tempo os meus. “Uma solução para cada caso?”.
Embuste! Igual aos antigos aparelhos.
A proposta é que o alcance do som se adapte a cada ambiente.
Em multidões, ele potencializa. Ao entrar num local silencioso, ele
abaixa.
Por apenas 8.333 pães, o aparelho é seu!
Desisti de ouvir melhor, já que uma operação também não
adiantaria, pois a parte óssea do meu ouvido está
comprometida. A cada dia que passa, me articulo cada vez
pior, mas acreditando ouvir e me expressar muito bem!
Hoje, as irmãs, adultas,
não são tão cruéis nem tão preconceituosas, concluíram (mos)
que não há bastardas entre nós e, mesmo, que houvesse, não
seria problema para nos "amarmos". Não há uma Carrie, a
estranha entre nós.
Apenas puxei a família de meu pai: a
mãe dele, a irmã dela, a mais nova e as duas mais velhas,
que estão surdinhas da Silva! Como eu, só que sou jovem
demais em comparação, e não pelos mesmos motivos.
Mesmo que,
segundo a astrologia, meu planeta regente seja Marte, não
sou alienígena. É brasa, mora! - como diria Roberto Carlos.
***
P.S. O sketche de surdez abaixo se
passou comigo:
Trabalho numa loja de presentes. Um cliente entra e
pergunta:
— Tem carne?
— Carne?! - sorrio irônica
— Não, carne! – aumenta a voz, mantendo a educação.
— Não, não temos carne! – digo irônica com o subtexto “aqui
não é açougue!”.
Um outro vendedor se aproxima e me diz, discretamente:
— Cards... Aquelas cartas que a garotada
coleciona, de carro, futebol...
—... Por que não me disse antes? – sorrio sem graça
para o cliente – CAR-DS? Na loja ao lado, senhor!
(FIM)
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