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, o diário de bordo que funciona de vez em quando!

Pseu de Outras Vezes

* pseu da vez...do mês

12/01/2009 - Borracha na entrada de 2009!

04/12/2008 - Bastidores de mãe!

19/05/2008 - Na minha boca não!

18/03/2008 - O que nossas avós não contavam

17/10/2007 - Dublê da Mulher Maravilha Por: Vivi

23/08/2007 - O catador de papelão e a marvada pinga: pros lados é que se vai!

18/06/2007 - Cães dóceis, vizinhos raivosos

02/05/2007 - Pra quem não tem sobrenome de lastro, apelido!

09/04/2007 - Fila, cultura brasileira: em exibição...

05/03/2007 - Rugas, por  que não te quero?

07/02/2007 - Quem é a irmã bastarda?

18/01/2007                    Super gatos, galãs e gatos-gato!

12/12/2006                            Yerma do Agreste

08/10/2006                            Bulímica é a madrasta!

04/09/2006                            Sogras são colonizadoras

01/08/2006                     Cometo gafe, e você não?

01/06/2006                     Jack, meu vício, Ulisses, minha meta

15/10/2005               Comigo  ninguém Pod!

30/08/2005                        Um segredo, um touro, várias vacas

11/07/2005              Segunda-feira no parque

20/06/2005              Compras sem culpa não tem graça!

31/5/2005                      Tipos, publicidade e viva Gerard Depardieu!

11/5/2005            Champanhe e literatura

 

 

20/06/2005 Compras sem culpa não tem graça Por: Viviane Fuentes

Consumir ou ser consumida? Em tempos modernos, somos produto ou consumidor. Honestamente, não sei qual dos dois eu sou, são tantas opções que fico confusa. Talvez nem um nem outro... Existo afinal?

Sem conseguir responder às minhas próprias perguntas, estaciono meu carro. É a primeira vez que vou a esse supermercado - uma amiga do bairro disse que os preços são irresistíveis - é uma rede pequena que abriu recentemente e vende apenas produtos básicos.

Resisti algum tempo em ir, pois quando faço compras, gosto de comprar um ou outro artigo A: frutas variadas, exóticas e maduras. Então, hoje, como é perto de casa, decidi conferir. Afinal a única compra que faço, e sem me sentir culpada, é a de supermercado.

São 11h, segunda-feira, o estacionamento é limitado. Por falta de vagas, parei atrás de uma pick-up que também estacionava. Perguntei ao motorista, gravando bem sua fisionomia, se não se importava do meu carro fechar o dele - eu seria rápida.

Ele permitiu enquanto a esposa descia da caminhonete, comendo três chocolates, ao mesmo tempo em que o filho de dois anos puxava os braços dela querendo atenção. Lembrei-me de que tinha outra lista de coisas a fazer ao chegar em casa: responder algumas perguntas aos internautas sobre o Pseu do Blog. Tirei o pequeno e imaginário bloco de notas da bolsa.

Entrei no supermercado, passei por uma catraca, peguei uma cestinha e fui às compras. Uma garota se aproximou de mim. Passei-a no código de barras.

Boné, camiseta surrada, de chinelas, bochecha simpática. Um pouco antes, eu tomava notas Sim, as fotos usadas no Pseu do Blog são de minha autoria ou de Mathieu, sempre. Não sei de onde a garota surgiu, parecia ser feita de vento.

— Moça, a senhora pode me ajudar a comprar comida?

Mal tinha começado a gastar no tal lugar de preços “irresistíveis” e já estava sendo julgada. Os produtos nas prateleiras passavam por mim e eu não conseguia tocá-los, a culpa que não sinto ao fazer compras tomou força e veio com tudo.

Como poderia encher minha cestinha de compras com a garota ao meu lado pedindo comida?

Passei pela prateleira de sucos, estendi o braço para pegar uma garrafa e não consegui. A menina disse:

 — Sabe o que é moça, lá em casa nós somos em 11 irmãos e minha mãe está muito doente.

Quase comecei a chorar.

— 11 irmãos?

— É!

— Que bom, então, são 11 para trazer o pão.

— O quê?

Olhou-me sem entender e prosseguiu:

— O médico disse que ela está morrendo.

Fiquei curiosa.

— O que ela tem?

— Ah, moça, ninguém sabe, e o pior é que a gente nem tem dinheiro para comprar remédio.

Continuei a andar pelos apertados corredores do supermercado, sentindo-me esmagada por eles; passei pelo requeijão e não peguei, passei pelo iogurte e não peguei, passei pela paçoquinha e não peguei! Afinal o que eu estava fazendo ali?

Anotei no bloco de notas Não atualizo o Pseu do Blog diariamente porque tem dias que o dia é um tédio e porque sempre registro o texto antes de colocar no site.

— Sua mãe foi num pronto socorro? – pergunto.

— Não, não foi, não teve como, a gente é muito pobre.

— Mas pronto socorro...

— É, mas a gente é muito pobre...

 — Você disse que ela foi ao médico – confusa, prossegui – ... Onde o médico, que você disse, a atendeu?

— Ah é, é um vizinho nosso.

Passávamos pela limitada sessão de legumes e verdura. De frutas, só banana. Nada trivial muito menos especial, mas o preço da batata era realmente irresistível, peguei um quilo, e pensei: “Vizinho médico?”.

Avistei a prateleira de papel higiênico, peguei um pacote com quatro rolos sem a menor culpa e tomei cuidado para não escolher um caro. Fato. A garota mentia para mim sem a menor culpa. Dessa vez passei o escaner.

O jeito de andar e a destreza dela iriam tirar de mim o que queria. Anotei Ligar para Biblioteca Nacional que, raios!, desde abril está em greve. Voltei à sessão de laticínios e peguei o iogurte de ameixa que tanto adoro!

— Pega um pão de forma e uma manteiga que eu pago.

— Mas onde eu pego, tia?

— A manteiga está no fundo, o pão está do outro lado.

— Mas qual eu pego?

— Não o mais caro!

Ela olhou para direita, olhou para esquerda, girou a aba do boné para trás, e saiu arrastando as chinelas com seu corpinho musculoso e bundinha arrebitada.

Com a expectativa frustrada em comprar muitos produtos baratos, eu fora vencida pela miséria do mundo, batata, papel higiênico e iogurte na minha cesta. Foi necessário somente dez minutos de compras para sentir-me impotente.

Ajudaria a combater fome mundial se eu parasse de fumar? (Mas eu já parei de fumar!) Rabisquei no bloquinho Por causa da greve, posto os meus textos para mim mesma.

Estava entre a cruz e a espada, não incentivo violência, não dou dinheiro em farol... Mas me sentia tão culpada que mal conseguia nem carregar a minha cesta de penas de ganso.

na fila para pagar. A garota voltou, curvou-se e depositou o pão e manteiga junto às minhas compras, percebeu que eu empurrava a cesta com os pés, conforme a fila andava, e decidiu segurá-la para mim.

— Não precisa carregar, está pesada para mim, deve estar para você.

— Não, tia, eu consigo - e jogou o olhar na prateleira de papel higiênico - Agora só falta papel higiênico para completar minha lista – pensou alto – ...Tia a senhora...

— Não – interrompi – a gente combinou pão e manteiga.

— Mas, olha, só custa R$2,25.

— O meu papel higiênico custa R$1,65!

A fila andou. A garota se cansou de carregar e colocou a cesta no chão. Olhou para as mãos e perguntou:

— Cadê minha chave?

Eu não tinha visto nenhuma chave com ela. Apavorada, correu, deu a volta no supermercado e voltou ao ponto de partida. Olhou dentro da minha cesta e lá estava a chave, para seu alívio. 

 Faltando pouco para o caixa me atender, notei que o cara da pick-up pagava suas compras, enquanto sua esposa comia um pacote novo de bolachas com o filho chorando e se esborrachando no chão. “Que diabos faz aquela chave na mão da garota?”. O chaveiro era de acrílico, tipo 7X9, com a cor do logo do supermercado e com o logo do supermercado!

— Que chave é essa?

— É da minha mãe?

— Mas tem o nome do supermercado.

— Eu tenho um armário aqui.

— Armário?

— É da minha mãe, para colocar as coisas.

Chegou minha vez. O caixa me atendia. Passei primeiro as compras da garota, e paguei. O cara da pick-up me arremessou um gentil olhar já descarregando suas compras no carro. Pedi ao caixa que passasse, agora, as minhas compras, disse-lhe que voltaria num instante.

Saí, livrei a saída do motorista e estacionei meu carro numa vaga apropriada. Tudo muito rápido. Ao voltar, a garota que esteve comigo durante as compras, desaparecera. Nem havia me dito obrigado. Olhei para os lados, para dentro e fora do supermercado, havia sumido feito fumaça.

— R$8,25, senhora – disse o caixa para mim.

Dei-lhe uma nota de R$10,00, havia armários de ferro na entrada do supermercado, mais de 20, semelhantes àqueles de clube, com número e tudo.

— Quem tem acesso àqueles armários ali?  – perguntei ao caixa enquanto eu ensacava minhas compras.

— Os funcionários do supermercado.

— Quem é aquela menina que estava comigo? A mãe dela trabalha aqui?

— Qual menina?

— A negra, bonitinha, de uns 7 anos...

O caixa não me respondeu, apenas olhou com uma cara de quem diz Desculpe-me, mas do que é que a senhora está falando?

Apanhei meus dois raquíticos sacos de compras e entrei no carro, cheia de perguntas que eu não poderia responder. A garota era filha do dono do supermercado (se sim, explicado porque as mercadorias eram tão baratas), ou era uma golpista autônoma? Nenhuma das duas alternativas anteriores?

Engato a ré e vou para casa. Já em casa, descarrego as compras e vou para o computador pensando em Nietzsche. Culpa cristã, sendo ou não religioso, ninguém está isenta dela, não é mesmo?

Mas o que Nietzsche tem a ver com isso? Li apenas um livro dele! Minha mãe não é lavadeira, mas eu tenho cara de trouxa! O que eu anotei mesmo para responder aos internautas?...Cruzes! Parece que um carregamento de melancia caiu sobre mim. (fim)