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18/03/2008 - O que nossas avós não contavam
Por: Viviane
Fuentes
Quando criança, toda sexta-feira à
noite, eu torcia pelo tricô da minha avó causar sonolência
profunda nela.
Diante da televisão, se dormisse antes da meia-noite, os
ratos poderiam fazer a festa e eu
ver
filmes de sacanagem.
Sempre
assistíamos a alguma “invasão” na TV e, no meio
da trama, eu
fingia adormecer no sofá - por medo e para que o meu plano
desse certo. Ao recolher seu novelo de lã, fungava um longo
ronco e minha avó deixava-me dormir ali.
Sabia que
eu já era grandinha e que acharia o caminho de volta para o
quarto - exceto uma vez, fui encontrada em estado dormente
nas escadas da entrada do sobrado em que morávamos. Como
cheguei lá?
Não sei
exatamente, acho que errei o caminho, mas eu pertencia a uma
família excêntrica de sonâmbulos. Certa vez, minha mãe
acordou sendo sufocada com um pepino por meu pai. Minhas irmãs e eu sempre
despertávamos em lugares que não a cama.
Já nos
resgataram debaixo da mesa da sala de jantar, debaixo do
colchão e na privada. Ao dormir no mesmo quarto, fazíamos
coral de conversação - uma resmungava de um lado e a outra
respondia do outro – até as flatulências noturnas deveriam
ser sincronizadas.
Beliche?
Era um perigo! Certa vez cheguei a cair da parte de cima de
um, dormindo é claro, mas pela vão entre a cama e a parede e
não pela parte externa, pelas escadinhas, intermediárias
entre térreo e primeiro andar, o que seria mais comum.
Pobre
coitada da minha avó! O sono das netas que ela educara
acabava por dar-lhe insônia durante o dia. Leva uma ao
hospital para engessar o braço, tira a chapa da cabeça de
outra para ver se os parafusos não afrouxaram...
Mas
ela sabia aproveitar sua hora do ócio vendo
westerns e
filmes B. Todo bicho que invadia ou atacava,
agitava seu controle remoto (se na época tivéssemos). “A
Invasão das Rãs”, “A Invasão das Abelhas Gigantes”, “Os Dobermans Atacam” fizeram parte do meu universo infantil,
graças a minha avó.
- eu
criaria, quando adulta, “A Invasão das Perucas Bárbaras”.
Cabelos ensebados de manteiga - tal como os povos bárbaros
usavam – madeixas engomadas atacando as coroas de louro de
Roma e de outras de povos da Europa, até não sobrar mais
osso sobre carne, apenas pêlos e sangue.
Um
clássico que minha avó assistia, uma vez ao ano durante
décadas era o filme “O Homem Cobra” - minha irmã mais nova e
eu sempre insistíamos para que nos deixasse assistir e, no
final cedia, já sabendo que teríamos pesadelos e calafrios.
Com pés
em cima do sofá, para nenhum cão do avesso, rã com alteração
genética, aranha monstro, puxar minha perna. Eu usava de
valentia para ir até a metade do filme, logo quando os
ataques começavam - por isso fechava os olhos, por isso
fingia dormir.
Mas
títulos e filmes como
"A Ilha das Cangaceiras Virgens", "Histórias que Nossas
Babás Não Contavam", "Como Era Boa a nossa Empregada", "A
Viúva Virgem", “O Bem Dotado, o Homem de Itu", "Os Bons
Tempos Voltaram - Vamos Gozar Outra Vez", esses sim, eu
adorava! Sentia-me transgressora ao conseguir assisti-los.
No
estágio em que as agulhas e a lã começavam a emaranhar a visão
da minha avó que pescava, ela se levantava, ia para a
cama e sem assistir ao final da história – que era óbvia.
Para mim, dali em diante,
era só alegria e esbórnia! Meu plano
vinha a calhar e logo logo o colocaria em
ação.
Começaria
um programa impróprio para adolescentes com espinhas
purulentas, exibido na TVS (SBT): Sala Especial, sextas às
23 horas e um monte de gente peladona e histórias que eu não
entendia aos sete anos de idade.
Ao ouvir
o primeiro e único ronco de minha avó em seu quarto – saía
do sofá na ponta dos pés, ligava o televisor, abaixava o som
- afinal eu não entendia a piada, pra que o som? E quem se
interessa pelos diálogos dos filmes pornôs?
Era
divertido ver um homem passando de cueca vermelha, beijos de
línguas esponjosas, banhos maliciosos, seios já crescidos,
bundas musculosas e peludas – aliás, na época, não era
permitido púbis nem membros, nem depilando!
Quantas
crianças e adolescentes não fizeram sua educação sexual com
as pornochanchadas? Dos meninos, tenho certeza que muitos.
Mas e as meninas? Minhas irmãs não o faziam, creio.
O certo é
que minha avó nunca me flagrou em plena sessão, lá no
escurinho da sala, mas se me pegasse com a boca na botija,
diria que estava assistindo ao filme porque teria prova de
biologia, e pornochanchada seria o tema. Mero cunho científico.
Certamente nossas babás – se as tivéssemos - não nos
contariam fábulas eróticas, mas tenho certeza de que
assistiriam conosco, às escondidas, aos filmes e entenderiam
muito bem as tais ereções de Nuno Leal Maia em
“O Bem Dotado, o Homem de Itu".
Afinal, bem usada, uma boa dose de
sacanagem é alimento da vida e não faz mal a ninguém. Minha
avó certamente sabia isso. Mas nunca revelou as netas.
(FIM)
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