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Sogras são colonizadoras
Por: Viviane
Fuentes
Meu marido e eu. Meu marido e minha sogra. O filho dela e o
meu marido. Ela e eu. Este pseu tem tantos "eus",
tantos "meus" que já nem sei mais quem sou meu Deus!
Depois do curso de férias que fiz em agosto, estou no
talo. O escopo do workshop era "como cuidar bem do filho da
sogra se o marido for seu ".
Jesus, isso me enfraqueceu as bolas: doutrina, catequização, coffe break, mandamentos, ensinamentos, coffe
break, meu peito e meu traseiro, coffee break!!
Mas hoje à noite eu vou me
vingar. Vou me acabar no rock’n roll, minha filha, já estou com batom diante do espelho, e
não vou ficar à mingua! Quem é que disse que eu não viveria
sem rixa?
(Cerveja, por favor! Quem eu sou? Eu fui a nora! Ouço um grito de pavor, de quebrar vidraças!)
Sogras
são colonizadoras. Querem transformar, nós noras, em sua imagem e
semelhança. Não importa se as culturas ou religiões são
iguais ou diferentes ou mesmo se há um oceano de distância entre as
civilizações, sogras são todas iguais. Primeiro mundo.
Colonizadoras.
Mas atenção, deixarei de ser apenas uma nora, para ser eu.
Ou ter três dimensões. Ou na próxima encarnação,
nascer em Júpiter para pilotar astronaves de última
geração; descobrir novas e intrigantes galáxias; dedicar uma
vida inteira ao estudo de plantas cósmicas. Reverter o
superaquecimento global. Restaurar a camada de ozônio,
salvar os pingüins. Alimentar a fome dos jacarés da Flórida,
arranjar lugares, que não o Senna, para capivaras francesas
viver...
...De volta à galáxia útero:
Antes de as sogras serem sogras, elas foram mães e antes de
as mães serem mães, elas são mulheres. Não sou mãe, nem
sogra. Mas sou mulher. Eis um problema. A probabilidade de eu ir pelo mesmo
caminho é a mesma de ir ao banheiro pela manhã, é o curso
natural.
Terra! Terra à vista.
Não chame meu filho pelo sobronome, isso me incomoda - disse-me a mãe de meu marido. Respondo: “O
marido é meu, a boca é minha.” Ela
dá um sorriso polido, empina o nariz, reage com
fineza diante à adversidade.
Curiosa, amenizo: “Mas por que, qual é o problema?”
Ela responde: No meu
país, o sobrenome é a maneira formal de se chamar às
pessoas... (ela não é da mesma nacionalidade que a minha) “No meu também” – completo. (“And so what?”-
penso em inglês, que não é minha língua nem a dela). Ela muda de assunto:
O meu filho
gosta de carne macia e bem temperada. “Alguém
perguntou alguma coisa ?” Volto ao tema do nome e abandono o
da carne. (“By the way...” – penso novamente em inglês).
“Chamo todas as Gabrielas, Soraias, Isabelas, Luizas,
Carolinas, Viviane, Marinas, de Marias. E aos homens, pelo
sobrenome. Isso, para mim, significa afeto. Ela se esforça
em sorrir.
Estamos na fila de embarque no Aeroporto Internacional de
Guarulhos, o que impede de nos atarracarmos feito dois
cachorros que se estranham. Ouvimos o famoso toque campainha
aos viajantes aéreos.
O alívio vai chegar. Basta respirar. Penso.
Daqui
a pouco, estarei ouvindo bandas a desafinar... O marido estressado sai para fumar. Paira um clima de elevador na fila que estamos.
Relembro com mágoa.
Ontem a sogra riu na minha cara – risadas não precisam de
legendas - e disse em sua língua mãe que a combinação da
minha roupa estava “detonante”. Era
pejorativo. Anel e colar de cristal não combinam com chinelas havaianas.
Sogra devia ser paga para
não ter
opiniões. “Detonante” é ela usar uma blusa com o ventre para
fora. E agora, nesse exato momento, no aeroporto, de novo, a mesma
risadinha!
O filho chega. Ela pára de esticar os lábios com rugas.
Finalmente diz o motivo da alegria. Dois palitinhos numa mesma cabeça é
um exagero, um seria
o suficiente.
Oras, maria-chiquinhas são duas, por isso o plural. Os
palitinhos que prendem meus cabelos são lindos, têm na
ponta, delicadas e espetadas palhas e foram feitos por
índios do Xingu - penso.
Me diz, quase gargalhando, usando diminutivos, que pareço
uma “indiazinha”, que ela jamais faria isso
(colocar dois palitos para segurar o cabelo )! “Claro, na sua
idade nem ia pegar bem, ainda
mais com o cabelo curto!” – dou o golpe de misericórdia.
Ora, Ora – relembro-a: “Sou uma mulher com personalidade e
própria”
Eu também! -
desafia-me feito criança para uma competição chula.
Peço ao
filho que oriente a mãe a se comportar como uma senhora.
Sorrio. Imagino que alguém enfia um lenço com éter na
boca dela e que ela dorme um sono eterno. Suspiro profundo. Dali a algumas horas,
vou me acabar no rock’n roll no CB Bar. Lá na
Barra Funda, vou afundar meu ódio no álcool, riscar um
fósforo e ver o que rola.
Imagina só que hoje pela manhã a
mãe disse-me que o remédio que o
filhinho estava tomando era a causa de tanto sono. Quanto imaginação
tem as mães! - digo estupefata. "Você verá quando chegar
a sua vez!".
Pergunto: “Como sabe que o remédio
(antiinflamatório) dá sonolência e que, quando está medicado
por ele, não pode nem dirigir?” Li na bula. “Mas a bula
está em português, como pode saber?” Silêncio. Silêncio.
Silêncio. Ela não fala o português e, parece que agora, nem
o francês. Silêncio. Silêncio.
Sinto o cheiro do café, dou um gole. Deixo a faca com manteiga na mesa e escrevo
em francês num pedaço de
papel o seguinte recado: “Adorável sogra,
seu filho dorme até tarde porque gosta de dormir... Com
amor, sua nora”. Ela ri, mas eu sei que ri do meu
francês - impecável para uma criança de seis anos.
No aeroporto, todos
caminham sem dizer uma palavra para o embarque final,
abstraem-se olhando vitrines de lojas.
Eu dedico minha atenção apenas à pista. A de fuga. Não
vejo a hora de o avião decolar.
Vou dar um
gole tão grande de cerveja, quando deixar de ser nora, que
não vai sobrar para ninguém - minha sogra diz toda vez que eu bebo um copo de
cerveja: era preferível a água. Se bebo dois: que
deselegância. Três: meu filho, sua mulher é
alcoólatra?
Mas hoje vou me acabar de dançar. Já ouço o som da bateria
vindo de mãos jovens cheia de alento. Duas bandas irão
tocar no CB. Maior rock’n roll. Vou extravasar. Me
encher de alegria.
A voz melíflua
e feminina no alto-falante informa sobre o
portão de embarque “imediato”. A sogra diz “girafa”. “O
quê?” Com esses palitinhos na cabeça você parece uma
girafa. Meus dentes se cruzam dentro da boca.
Silêncio.
Novamente o filho sai para fumar. Que lei é essa que não
se pode mais fumar em aeroporto ou na frente da mãe?
Silêncio. Grunhido. Silêncio. Silêncio. Grunhido baixa.
É chegada a hora. Tenho os olhos cheios de lágrimas. Estou feliz que ninguém
mais vai mandar na minha cozinha, me ensinar como
lavar, como cozinhar, como descascar, como temperar, como
não salgar... Enxugo os olhos de lágrimas não causadas pela
cebola.
Meus sogros entram no portão indicado e somem da nossa
vista. Paz. Ilha no Caribe. Voltamos para
casa, calados, desfrutando a paz, apenas o som do
motor do carro. Marido e mulher: enfim sós. Partida. Engato
primeira, segunda. Somos um país
independente.
É noite e, finalmente, estamos no CB Bar. O clima
envolvente, cortina vermelha e aveludada no palco,
gera um atmosfera underground. Juke-box, sofás
vermelhos de curvim. Curti.
Encostamos-nos ao balcão com
alguns amigos, a casa tem boa cerveja de pressão
importada, mas os meninos, cabeludos e bonitos, parecem
ainda não saber tirar um bom chope. Peço uma cerveja
nacional mesmo: barata e muito gelada.
A primeira banda logo começa a tocar. Tem muito gatinho
solteiro pelo local, tomo nota.
O vocalista da
banda desafina tanto, grita sem parar nas três primeiras músicas
do “show-de-bolso”, tomo nota. Não sei se suas cordas
vocais irão agüentar.
Na quarta e penúltima música,
a voz amacia, a performance
da banda melhora. Reconheço o vocalista. Ele foi
namorado de um amigo e de uma amiga, ao mesmo tempo. "Que
legal, mesmo cantando mal, está num
palco com platéia. Que máximo!" - comento com uma amiga,
parecendo uma groupie estúpida.
Os roqueiros “desolados”, mas nem tanto, me fazem esquecer
que sou casada. Continuo a observar, os jovens de hoje
parecem tão mais interessantes que os de antigamente, pelo
menos aqui nesse local - penso enquanto peço outra
long-neck...e tomo nota.
Na
terceira, meio
borracha, um garoto de olhos penetrantes me flerta, eu
correspondo, mas ele não entende que é apenas um flerte. No
final do show da segunda banda, aproxima-se decidido a me tirar para
dançar.
Ele nem se importa que eu estou acompanhada. Do meu marido.
A coisa fica preta. Aproveito a deixa para pagar a
conta e sair à francesa. Ele é um gatinho, mas já tenho o
meu. Espero que não se magoe. Eu já tenho sogra. (FIM)
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